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Esportes
23/06/2022 20h20

Paz vê Brasileirão como prioridade do Fortaleza e cutuca Libra: 'Modelo inglês'

A posição na tabela do Brasileirão confirma o momento complicado do Fortaleza. A equipe ocupa o penúltimo lugar e faz uma campanha de recuperação para evitar o rebaixamento. A permanência na Série A é o principal objetivo do presidente Marcelo Paz na temporada, mesmo com o time nas oitavas de final da Libertadores. O responsável pela mudança de patamar do clube cearense, que foi da terceira divisão à elite nos oito anos de sua gestão (três como diretor de futebol), não quer dar um passo atrás no projeto. Ele só quer avançar até o fim do seu mandato em 2024.

Marcelo Paz atendeu com exclusividade o Estadão em uma semana bastante conturbada e, assim como costuma fazer no comando do Fortaleza, foi transparente. Falou da agressão sofrida pelo jogador Robson no aeroporto, do episódio do afastamento de Lucas Crispim, das Safs (Sociedade Anônima do Futebol) e avisou que para o Brasil ter uma liga basta copiar o modelo da Premier League, da Inglaterra. O dirigente é um dos líderes do grupo de 24 clubes que não aderiu à Libra.

O Fortaleza está em antepenúltimo lugar no Brasileirão. O quanto o senhor está preocupado com o rebaixamento?
Muito. O Brasileiro é o campeonato mais importante porque é ele que garante uma estabilidade financeira, o planejamento financeiro para o próximo ano. É ele que te dá possibilidade de jogar competições continentais, de manter o nível de tamanho de clube que conseguimos atingir, de quantidade de funcionários, de investimento. Ainda preocupa muito. A nossa posição ainda é incômoda. Estamos com pontuação muito abaixo do que se esperava por vários fatores. Iniciamos uma reação. Nos últimos cinco jogos tivemos um aproveitamento de mais de 50%. Foram duas vitórias, dois empates e uma derrota. Se conseguimos manter esse aproveitamento vamos se livrar no final. Estamos pagando muito pelo início muito ruim. Fizemos apenas dois pontos nos oito primeiros jogos.

Qual foi o seu diagnóstico?
É uma situação multifatorial. Acho que tem uma questão de nível de concentração. Tivemos um nível de concentração maior nos jogos da Libertadores até pelo ineditismo da competição, pelo desejo do torcedor e se reflete no público, mais público no estádio, mais expectativa. Aí, quando ia para o jogo do Brasileiro, o nível de concentração era menor. Isso fez com que perdêssemos jogos com erros individuais, por desconcentração na parte final do jogo, uma empate vira derrota, incompetência para fazer os gols nos jogos quando estávamos melhores do que o adversário. Tivemos dois jogos com expulsões no primeiro tempo e isso compromete. Tivemos erros de arbitragem também e eles custaram pontos. É um somatório, tudo isso fez com que tivéssemos essa performance ruim.

A má fase gerou um episódio de agressão ao Robson na chegada da equipe no aeroporto...
É absolutamente inaceitável. Nada justifica uma agressão física. Infelizmente, isso se tornou um pouco comum no futebol brasileiro. Esperamos punição, porque é caso de polícia. Ninguém tem o direito de agredir ninguém porque um time ganhou ou perdeu. É difícil para administrar porque foge ao nosso controle. Eu estou aqui para fazer uma gestão esportiva, para ganhar jogos, para manter o clube organizado, para fazer o clube crescer... Como se prepara para essas pessoas que vão para o aeroporto para xingar, constranger, ameaçar e bater? É algo terrível, que não pode ser normalizado. Tem de ser combatido, não combina com o esporte, não combina com futebol. O torcedor tem direito a sua insatisfação, pode cobrar porque tem paixão envolvida, quer se sentir um vencedor. Mas vejo também injustiça e ingratidão, porque esse mesmo clube lhe deu dois títulos nos últimos 60 dias, está na Libertadores pelo que fez ano passado, na principal campanha na história da Série A, mas infelizmente lidamos com paixão e tem esse tipo de irracionalidade.

No dia seguinte, o Fortaleza afastou o Lucas Crispim, agora já reintegrado, que foi flagrado em uma festa. Até o Neymar se posicionou publicamente contra esta decisão...
O afastamento do Crispim tem um componente mais longo. Não foi porque naquele dia ele foi na festa. Para começar, tenho de dizer que é um ótimo garoto, dentro do clube nunca criou nenhum tipo de problema. É um atleta que nunca nos deu problema interno, mas externo já se tinha um questionamento, de uma vida noturna um pouco mais agitada. E aí culminou que no dia que tivemos o episódio de violência no aeroporto, quando ele foi um dos atletas cobrados e, mesmo assim, resolveu festejar. Entendemos que aquilo não combinava com o momento do clube. As pessoas julgaram no geral pela metade da história. A narrativa criada foi de que o Fortaleza afastou o Crispim porque ele foi comemorar o aniversário e não é isso. Entendemos que o ser humano pode errar, ter consciência e mudar de atitude.

Apesar do momento ruim, o Fortaleza, na sua gestão, saiu da Série C para disputar uma Libertadores... O quanto o seu trabalhou modificou o patamar do clube no futebol brasileiro?
Não consigo quantificar porcentualmente. O Fortaleza é um clube centenário, tem sua história, mas essa gestão de 2018 para cá conquistou sete títulos em cinco anos. Conquistou o acesso à Série A, vagas em competições sul-americanas, sua maior pontuação na primeira divisão em pontos corridos, melhor campanha na história da Copa do Brasil. Isso não é por acaso. Não é sorte, é trabalho, mas é multifatorial também. Envolve boas escolhas no futebol, permanência de comissão técnica, ter bons profissionais fora do campo, no departamento de futebol, na gestão de administrativo. A bola não entra por acaso, eu acredito muito nisso e parte sim do sucesso é dessa gestão, das pessoas que dirigem o clube. Era o momento de ser mais do que um clube de futebol.

Tive oportunidade de visitar o Fortaleza em 2018, quando diversas obras de infraestrutura estavam sendo realizadas. Qual o peso disso para o sucesso do projeto?
Se não tivéssemos construído isso ao longo da caminhada certamente não estaríamos hoje ainda numa Série A, disputando uma Libertadores. A estrutura física é fundamental. As pessoas têm de se sentir confortáveis, seguras, ver que tem cuidado, zelo, equipamento novo, construção, melhorias... Ainda tem coisa por fazer, é importante evoluir, melhorar, mas já temos uma condição de trabalho muito boa. Não vamos sossegar. Queremos que o Fortaleza siga evoluindo. É algo que entendemos que ajuda muito a bola a entrar e faz a diferença para atrair e reter talentos.

Naquela época, o treinador era o Rogério Ceni. Ele ajudou nesta mudança?
Ele tem um grande peso, participou do início dessa transformação. Ele sempre teve uma visão muito clara de que era importante investir em estrutura, que é importante ter uma condição de trabalho cada vez melhor para os atletas. Com ele aqui muito disso foi feito e, após sua saída, foi continuado. O Rogério é lembrado no Fortaleza como um grande profissional, um vencedor.

Mas saiu para o Flamengo em uma condição não muito favorável... Ficou alguma rusga?
Zero rusga. Foi uma decisão que não concordamos nas duas vezes, principalmente na segunda vez (ida para o Flamengo após passagem frustrante pelo Cruzeiro), mas zero rusga. Rogério é um amigo. Ele mantém contato com os funcionários desde o mais simples. Ele troca mensagem com a Toinha (auxiliar de nutrição), nossa funcionária mais antiga, tem mais de 50 anos de Fortaleza. Fala com o roupeiro, o fisioterapeuta, o Sérgio Papelin, que é o nosso executivo de futebol, comigo. O Rogério mantém uma amizade, um respeito, criou laço aqui. Ele gosta da cidade, gosta do clube, existe gratidão, amizade e torcida da parte dele.

A saída do Rogério Ceni gerou também uma amadurecimento no trato com os treinadores? O senhor contratou o Juan Pablo Vojvoda, que muita gente queria, e ele vai para o segundo ano no clube.
Muita gente queria depois que eu contratei. Porque quando eu contratei ninguém nem conhecia. Aí, quando nós renovamos no final do ano, o mercado tinha muito interesse nele. Mas claro que com o passar dos anos, com vivência até com o próprio Rogério, vamos aprendendo. Você aprende toda hora. Eu estou vivendo agora o momento difícil do clube, estou aprendendo muito e evoluindo, tendo novas percepções, então o aprendizado é contínuo.

Na sua gestão, o Fortaleza praticamente sanou suas dívidas...
Isso faz muita diferença. Primeiro é muito difícil para o gestor conviver com dívidas porque o dinheiro entra e, às vezes, você não consegue usar porque tem de pagar uma dívida antiga, tem um bloqueio judicial, tem uma penhora. O Fortaleza já viveu isso, mas hoje não tem mais. A dívida é baixíssima, equacionada... Ou seja, ela está dentro de uma programação de pagamento. As dívidas trabalhistas hoje são de apenas R$ 150 mil. Isso gera atratividade. O atleta, o profissional, alguém que vamos contratar, ele quer vir para cá, porque ele sabe que o salário vai cair todo mês no mesmo dia, sem atraso. A responsabilidade financeira melhora o ambiente, faz com que todos estejam mais felizes no trabalho.

O seu trabalho foi reconhecido até com um convite para ser gestor em outro clube...
Foi algo diferente, confesso que me envaideceu um pouco. Fiquei feliz com esse reconhecimento. O trabalho que faço aqui é de um executivo, porque eu me dedico 100% do tempo. Fui eleito presidente no modelo associativo, mas os dirigentes no Fortaleza são remunerados. Houve um convite para integrar um outro clube, mas eu não podia deixar o clube. Tinha acabado de ser eleito para mais três anos e não achei coerente, não seria correto com todos que me apoiaram. Fui reeleito no fim do ano passado e o convite do Botafogo surgiu dois meses depois, quando eles estavam no início da montagem do projeto, não era para ocupar o lugar de ninguém que está lá. Quem sabe um dia, se eu sair do Fortaleza, tenha portas abertas em alguma outra grande instituição.

Falando em Botafogo, o senhor é favorável ao modelo de SAF?
Sou favorável porque acredito no livre mercado. Ele faz com que diferentes modelos possam ter sucesso. Não vou dizer qual o melhor. Isso vai da natureza, do momento, da necessidade de cada clube. Os clubes citados, principalmente os três gigantes do futebol brasileiro que se tornaram SAFs, Botafogo, Cruzeiro e Vasco, foi por necessidade, com aporte de capital, para mudar. Era um cenário difícil, mas acho que o Brasil vai chegar em um momento de uma SAF para crescimento e desenvolvimento. Pegar um clube que não é por dívida. Vejo como um modelo interessante, mas aprendi na minha vida que existem muitas formas de fazer. Tudo vai funcionar se tiver uma boa gestão, porque empresa também quebra, só que, quando quebra, vai à falência. Já vi caso de clubes que enfrentaram dificuldades justamente quando apareceu algum dinheiro, porque gastou o que não devia, se endividou. A conta chegou e começou a cair performance. Se tornar SAF é um movimento natural, mas há muitas variáveis nesse processo.

O seu mandato vai até 2024. O que planeja?
O primeiro plano é manter o Fortaleza na Série A, estar sempre participando de competições sul-americanas, ser reconhecido como clube de boas práticas de gestão. Quero investir mais na nossa categoria de base para ter mais jogadores para nos darem retorno, financeiro e esportivo. Ser um clube que vá além do futebol, que seja reconhecido pelas preocupações com temas sociais, sem entrar em ideologia política, mas o futebol ele tem a possibilidade de fomentar pautas interessantes, de trazer uma discussão. Queremos logicamente o futebol forte. Um time que ganha, que conquista títulos e dá orgulho ao torcedor.

O senhor é fundador de uma escola de educação básica. O que usa dessa experiência para administrar o Fortaleza?
Tem uma coisa que eu trago de lá, que todo aluno era muito importante. Eu gostava de saber o nome, atendia os pais no momento da matrícula. Estava presente na rotina diária, nas festas. Se um aluno saísse da escola, eu ligava para o pai, queria entender. Eu tento tratar o torcedor dessa mesma maneira. É impossível porque a quantidade de torcedores é infinitamente maior do que de alunos, mas eu trago um pouco disso. Entendendo de que cada torcedor é importante. Cada um tem a sua necessidade, que cada um quer ajudar de alguma maneira, que se importa com o clube. Além disso, claro, esta questão da gestão. O que eu fazia era gestão. A escola cresceu no meu período lá. Cuidando das pessoas, do processo, melhorando a estrutura. Todo um planejamento estratégico.

Como foi sua experiência na seleção como chefe da delegação nos amistosos na Ásia e vê esse grupo preparado para ser campeão do mundo?
Foi o reconhecimento ao meu trabalho. Foi muito bom vivenciar o ambiente da seleção, conhecer profissionais de qualidade. Vi muita gente qualificada, de bom nível cultural, compromissada. Vi uma comissão técnica muito focada. É importante ter um tetracampeão como o Taffarel, um penta como Juninho, um cara que teve história na seleção como César Sampaio. Pude ver o trabalho do Tite, como ele tem controle do grupo e todos o respeitam muito. Há jogadores experientes, como Daniel Alves, Thiago Silva, Alisson, Marquinhos, Casemiro... Neymar já na fase dos 30 anos. Coutinho indo para uma segunda Copa. Jovens talentosíssimos, como Raphinha, Militão. Vi qualidade técnica e entendimento. Tudo isso me faz acreditar na possibilidade de brigar pelo título, conseguir essa sexta estrela. O trabalho está sendo bem feito para isso. Mas, além do Brasil, outras seleções, como França, Alemanha, Argentina, também têm tudo isso. Mas vejo uma seleção muito bem preparada.

A liga brasileira de futebol vai sair do papel?
Não é difícil. Está até mais fácil porque são apenas dois grupos e basta eles se entenderem. Antes tínhamos 20 cabeças pensando cada uma por si. Só sugiro que o debate seja feito baseado no que as ligas mais modernas do mundo já fazem. E qual é a principal liga do mundo hoje? A Premier League. Basta repetir os parâmetros que se aplicam lá. Se fizemos isso, acho que vai sair. O curioso é que o nome da entidade criada é Libra. A moeda da Inglaterra é libra. Basta copiar o modelo inglês que fica legal e dá certo para todo mundo. Por que copiar o modelo inglês? Lá os times médios têm capacidade de comprar grandes jogadores. Aston Villa, Everton, Tottenham... Temos de fazer com que, no futebol brasileiro, os times médios também tenham capacidade de investimento, porque Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras sempre vão ser gigantes e vão estar no topo do recebimento. Não pode achatar quem está no meio. E muito menos quem está mais embaixo. Usa o nome Libra, copia o modelo inglês e fica bom para todo mundo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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