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Internacional
31/05/2020 09h10

Informalidade na América Latina afeta luta contra o vírus

Atualmente, 158 milhões de trabalhadores estão na informalidade na América Latina. O número, que representa 54% dos 292 milhões que integram a força de trabalho local, é apontado pelos especialistas como o principal desafio para a implementação eficaz das medidas de combate ao novo coronavírus. Isso ajuda a explicar por que a região se tornou o novo epicentro mundial da pandemia.

"A resposta tradicional à pandemia, com o isolamento social, um pacote de estímulo e de apoio a empresas e empregos e aumento da capacidade do sistema de saúde funciona bem em contextos de baixa informalidade, como EUA e China, porque é muito difícil obrigar o trabalhador informal a paralisar a sua atividade econômica", explica o diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe, Vinícius Pinheiro.

Dos trabalhadores informais, segundo a OIT, 90%, ou seja, 140 milhões, estão sendo atingidos de forma grave pelos efeitos da pandemia. O Peru é considerado pela organização como um exemplo prático disso. Foi um dos países mais rígidos ao implementar o lockdown: desde o dia 15 de março fechou aeroportos e fronteiras. Mas o número de doentes cresce rápido ao lado do Brasil, por exemplo.

"Em feiras de rua de Lima, 80% das pessoas estão contaminadas porque quem precisava vender para sobreviver furava o isolamento, é o dilema entre o vírus e a fome. Aí essas pessoas levavam multas do governo, não tinham como pagar e eram detidas. Na prisão, elas se contaminaram", conta Pinheiro.

Para o economista e professor de relações internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan, o maior problema da informalidade é a ausência de proteção social. "A pandemia exibiu da forma mais pura que a informalidade não significa ter alguma forma de proteção social. No Brasil temos um auxílio emergencial de R$ 600, o que não se repete no restante da América Latina por falta de condições", afirma.

Na região, o levantamento da OIT mostra que 48% dos trabalhadores informais são autônomos e 31% atuam em micro ou pequenas empresas que têm entre dois e nove funcionários. Com a pandemia, os informais devem ter uma perda de 80% de sua renda, o que deve tornar a taxa de pobreza - que afeta cerca de 36% dos trabalhadores informais - a nova realidade para 90% dos informais.

O peruano Gianfranco Barrionuevo é cozinheiro contratado em um restaurante de Lima, mas lamenta a situação de muitos colegas que trabalham no mesmo local de maneira informal. "Infelizmente tenho muitos companheiros que não são peruanos ou não estão com a documentação toda em dia, então eles vão sofrer", afirma, ao se referir a outro problema da informalidade.

Para que algum auxílio do governo chegue a essas pessoas é essencial que exista um sistema de cadastro atualizado, explica Pinheiro. "Em alguns casos não se sabe quem são as pessoas que devem receber o auxílio por falta de um sistema que compile os dados dos informais. No Peru, 12% do PIB está sendo dedicado a pacotes de auxílio, mas não se sabe quanto disso chega a quem precisa."

O professor Trevisan cita o caso de trabalhadores da chamada 'informalidade digital', que atuam em empresas como Uber e Rappi. No dia 8 de maio, funcionários desses aplicativos saíram em suas motos e bicicletas pelas ruas de Buenos Aires pedindo kits de higiene e segurança para realizarem as entregas, já que o serviço aumentou muito durante a pandemia.

Planejamento

Com a maioria dos serviços não essenciais paralisados, governos adotaram medidas para proteger os trabalhadores formais da exposição ao vírus e para reduzir o impacto econômico. Até abril, segundo estudo da Cepal, 19 países dos 26 da região adotaram o home office, 14 possibilitaram a ausência remunerada e 11 permitiram a redução de jornada.

Por ser contratado, Barrionuevo recebeu 60% de seu salário em março, mas depois disso, com o restaurante fechado, ele ficou sem renda mensal. Então partiu para o sistema de delivery. "Não estou passando necessidade, mas se eu não me planejar agora, em algum tempo vou passar. Não recebi nenhuma ajuda do governo porque sou um trabalhador estável, mas estou tocando um negócio por conta própria para poder pagar as contas. Estou trabalhando com pizzas e comida italiana para delivery", conta.

Trabalhadores do setor de saúde também têm recebido algum auxílio dos governos. Na Argentina, por exemplo, os trabalhadores da saúde receberão entre abril e julho um bônus de 5 mil pesos (US$ 76) ao mês.

Mas o que preocupa organizações internacionais é a dificuldade de acesso ao sistema de saúde pelos trabalhadores informais. "Na maioria dos países da América Latina quem tem acesso à saúde é quem contribui com o Estado. Não existe um acesso universal como no Brasil. Essa barreira explica por que países com mais cobertura e menos informalidade, como Costa Rica e Uruguai, mostram números menores de contágios", diz Pinheiro.

A retomada das atividades econômicas já começou em países da região, como Costa Rica e Chile, e começará em outros amanhã, como México. Mas analistas alertam para o risco do aumento de casos da covid-19 e a necessidade de novas restrições.

Peru

Desde que a pandemia chegou ao Peru, o venezuelano Rodolfo Castillo precisou trocar a engenharia mecânica pelo serviço funerário para sobreviver em Lima. "Saio para trabalhar e recolho mais de dez mortos por dia. Por medidas sanitárias, nenhum corpo de vítima da covid-19 é preparado para um funeral. A gente coloca em uma sacola especial para levar ao crematório", contou Castillo ao Estadão.

O venezuelano chegou ao Peru há dois anos e mora em um bairro de classe média com primos e tios. Castillo perdeu o emprego na empresa de refrigeração e resolveu pedir ajuda a amigos venezuelanos que já trabalhavam no setor funerário. "Pouco a pouco, vou me acostumando, mas não é fácil. Agora, tenho uma rotina dura e passei a tomar mais cuidado, porque não é apenas uma gripe."

No Peru, mais de 4 mil pessoas morreram e 141 mil casos de covid-19 foram confirmados. O país teve um lockdown rígido. Em 15 de março, já havia fechado aeroportos e fronteiras, mas a disseminação tem sido rápida porque há muita informalidade e muitos vivem em situação sanitária precária.

Esse é um dos cenários que Castillo encontra em seu trabalho: pessoas que morreram em casas pequenas, onde a máquina de lavar roupas está ao lado da cama sem lençóis. Para retirar os mortos, ele precisa de uma escada para carregar os cadáveres.

Desde 2015, mais de 4,5 milhões de latino-americanos, a maioria venezuelanos, migraram para países da região. Governos lançaram programas de auxílio e garantiram vistos temporários ou permissões de trabalho, mas agora existe o temor de que a pandemia impeça novas ações sociais, enquanto a recessão e a disputa por leitos de hospitais aumenta.

Auxílios

No Peru, em 2017, quando o êxodo venezuelano aumentou, o governo do então presidente, Pedro Pablo Kuczynski, estendeu a duração do visto de trabalho temporário e criou um visto específico de permanência. Com isso, em 2018, 500 mil venezuelanos entraram no país.

O número de venezuelanos vivendo no Peru é de 860 mil, mas a integração é mais difícil do que em países como a Colômbia, explica Brian Winter, editor-chefe da Americas Quarterly, em artigo sobre políticas migratórias da América Latina. Ele cita a questão das culturas e similaridades entre os países caribenhos.

O risco de contaminação para Castillo é grande, assim como ocorre com a maioria dos imigrantes na América Latina. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), muitos não estão regularizados e trabalham em serviços essenciais - portanto, não conseguem cumprir o isolamento social.

"Vários venezuelanos têm trabalhado em serviços essenciais, como auxiliares de enfermagem, segurança privada, limpeza e serviços de gestão de cadáveres. Além disso, os imigrantes sofrem com o aumento da xenofobia", afirma o diretor da OIT para a América Latina e o Caribe, Vinícius Pinheiro.

Xenofobia

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a pandemia pode levar à perda do status migratório legal por conta do fechamento de fronteiras, por isso é importante que essa população receba mais apoio dos Estados.

Castillo não tem o visto permanente. Ele diz que o processo foi paralisado com a crise. Mas seu desejo agora é retornar à Venezuela.

"A economia aqui (no Peru) vai decair muito e sempre nos rotulam de várias coisas, menos de boas pessoas."

A situação se repete em outros países da América do Sul. Na Colômbia, por exemplo, quase 1,8 milhão de venezuelanos chegaram entre 2015 e 2019, mas 65 mil deles regressaram desde o início da pandemia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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