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Opinião
30/08/2012 11h28

Na fumaça do trem

Imprudente não, apenas responsável

De repente, a cidade de Campanha, MG, é assolada por grande temporal, como se o céu houvesse aberto suas comportas, tal o volume de água que se verificava, seguido de ventos fortíssimos, raios e ensurdecedores trovões a deixarem a estação ferroviária mais parecendo uma casca de nozes pela fragilidade na intempérie.

Paixão, o saudoso chefe da estação, que em sua sala através da vidraça da janela mantinha-se a olhar o “dilúvio”, que mal dava para ver além dos metros da plataforma, vira-se a observar o relógio que marcava 19:20 horas, quando sob violento estrondo que o assustou juntamente com o clarão, a luz se apagou a deixar todo o complexo férreo debaixo de total escuridão, sendo entrecortada pelos seguidos clarões dos raios que riscavam o seu quase a cada segundo. Já de posse do lampião, chega-se à sola do telégrafo a verificar se a mensagem expedida por Cambuquira havia sido passada, dando conta da partida do expresso prevista a chegar a Campanha entre 19:50 e 20:10 horas. Ao ver que não continha nada, apreensivo olha o aparelho que se apresentava inerte e deixa o local bastante preocupado. Afinal o expresso já deveria estar a caminho e a mensagem pela partida também haver sido passada.

Deixando sua sala, ao se abrir a porta e ser quase tolhido pela força do vento e pelo som assustador da tempestade, chega-se caminhando vagaroso e guiado na claridade do lampião à ponta da plataforma vê que o pedregal e os dormentes estavam quase submersos. De súbito ao virar-se, dá com as presenças do seu agente e do jornaleiro, que assustados, têm a informação que Paixão seguiria pelos trilhos a verificar os possíveis estragos ocorridos até onde suas forças permitissem e que o agente permanecesse à sala do telégrafo aguardando notícias.

Descendo aos trilhos, lá se foi paixão a tropeçar e escorregar sobre o leito alagado debaixo do temporal, tendo à cabeça voltada ao expresso, em que passageiros eram transportados e suas seguranças possivelmente em risco.

Percorrendo a linha férrea, atingiu ao local onde os trilhos serpenteavam pelo bosque de eucaliptos, o qual devido à tempestade era propício a quedas de árvores. Felizmente a exceção de galhos e gravetos, nada de anormal pode se verificar e no que foi dado a perceber, o leito mantinha-se desobstruído; fato que de certo modo causou estranheza.

Extenuado e ainda bem preocupado no destino do expresso, afinal sua chegada em muito extrapolava o horário, o que levou Paixão a se lembrar do rio São Bento; divisa dos municípios de Campanha e Cambuquira, que poderia ter a enxurrada suplantado o pontilhão a interromper a passagem da composição. Mesmo extremamente esgotado fisicamente, ainda tirou forças para algum tempo percorrer mais o leito, que agora sob chuva menos intensa melhorava à pequena visibilidade. Sem a mínima noção das horas e da distância percorrida desde a estação, resolveu regressar. Bem trôpego, cansado, encharcado de chuva até a alma, tendo seu fardamento sujo de lama, vez que se chafurdou no lodaçal inúmeras vezes às margens do leito, lá ia Paixão sobre os dormentes, quando num dos raros momentos de trégua do temporal, captou e ouviu um som diferente. Ao parar a apurar os ouvidos, no que se voltou, naquele exato instante um relâmpago riscou o céu iluminando a tudo. Foi quando pode ver a uma pequena distância, talvez uns 30 metros, o vulto
negro como um monstro, se aproximando. Em desespero salta de entre os trilhos à picada margeante a via, onde jogou-se ao chão, inerte, se comprime ao aluvião a poucos centímetros do trilho e vê a locomotiva lentamente passar exalando o calor e consequentemente o seguimento do comboio.

Um tanto espavorido de coração aos pulos, com certa dificuldade, ergueu-se após apanhar seu lampião; aliás que não foi observado pelo maquinista, e põe-se a caminhar mais aliviado, pois o expresso parecia estar bem, no que pese seu potente farol estivesse apagado.

Tempos depois, com a chuva mais branda, chega à plataforma da estação, estrompado e sujo dos pés a cabeça o velho Paixão que é abraçado pelo agente, o jornaleiro e o boquiaberto maquinista a lhe perguntar como havia se protegido do trem, já que não o viu e muito menos a luz do lampião, mesmo na escuridão pela perda do farol da máquina destruído por uma pedra que rolou de um barranco.

Paixão caminhando ladeado aos três amigos, sobre a luz do lampião que um tanto fraco pela lama a envolvê-lo, esboçando leve sorriso diz: - Minha hora ainda não chegou! Deus sem dúvida olhou por mim, mesmo com toda a minha proeminente barriga entre o barranco e os trilhos.

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