Baleia não existe

por Bebeto Andrade,

de Cruzília/MG

Pode parecer bisbilhotice, mas toda vez que passo perto da Escola Dona Leonina, coladinha na igreja, não resisto e aguço o ouvido de curiosidade. É que as janelas das salas dão pra rua, de onde se pode ouvir o que as crianças falam lá dentro, e o que elas falam costuma me deixar de muito bom humor. Sei que meu gesto pode bem merecer um puxão de orelha, no duplo sentido, mas garanto que é só um passatempo inocente, sem nenhuma malícia.

Há não muito tempo, por exemplo, enquanto caminhava meio apressado pela calçada, ouvi o seguinte diálogo:

- Qual é o maior mamífero do planeta? – perguntou a professora.

- É o elefante! – respondeu um menino, cheio de convicção.

- Não! – várias vozes corrigiram-no. – É a baleia!

- A baleia não vale... Ela não existe.

Era de tarde e segui meu caminho, mas intrigado com a descrença do garoto na existência das baleias. Enfim chegamos ao ponto, pensei, de uma criança duvidar da verdade dos cetáceos, e daqui a pouco não haverá mais girafa, avestruz, sucuri da Amazônia e muito menos Amazônia. Quando voltei, a criançada cantava alegre, talvez sem suspeitar do que os adultos estariam fazendo com o planeta.

No conto “O flautista de Hamelin”, ficamos sabendo de uma aldeia onde não há mais crianças, e por isso ela é triste e silenciosa. É claro que as crianças não vão desaparecer assim, de uma hora para outra, mas é preciso tomar cuidado pra que elas não encontrem um planeta triste e silencioso, sem baleias, girafas, avestruzes, sucuris e Amazônia.

Na minha infância, tive o privilégio de brincar e correr pelos matos que havia em torno da cidade, e que hoje não existem mais. É bom pensar que Cruzília vai crescer e se desenvolver, mas não se pode roubar das crianças o direito às matas, aos pássaros e às águas. Senão, além das baleias, elas não vão acreditar em nós.