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Opinião
18/07/2013 17h29

Calor em junho

Bebeto Andrade expôe sua opinião.

por Bebeto Andrade,

de Cruzília/MG

 

Arturzinho é filho de um engenheiro e de uma professora, tem 13 anos, cursa o ensino fundamental e mora em São Paulo. No mês de junho, trocou o skate pelos protestos e recebeu todo o apoio dos pais, eleitores da esquerda moderada. Aliás, a família só não participou unida das passeatas porque o casal preferiu ficar no meio da multidão, enquanto Arturzinho foi pra linha de frente encarar a polícia. Além de skatista, o jovem gosta de rock e tem uma coleção de piercings na orelha direita.

No último fim de semana do mês, Arturzinho deixou a capital e se mandou pra Juquitiba, pra passar dois dias no sítio de uma colega de escola. Era uma aventura inédita para ele e seus amigos, que nunca haviam pisado em bosta de vaca nem sabiam como uma galinha bota ovo. Pra aumentar a emoção, a linha de transmissão elétrica foi interrompida e os garotos ficaram sem luz, sem carregadores de celular e acesso à internet.

Felizmente, tudo acabou bem. Os meninos foram resgatados pelo proprietário do sítio, no domingo, e todos chegaram em suas casas mais ou menos na hora do jogo da seleção brasileira (era a final contra a Espanha). Arturzinho, porém, não quis saber de futebol e foi logo para o quarto ligar o computador, cumprindo um ritual conhecido. Preocupados, o pai e a mãe encheram o garoto de perguntas, mas ele desconversou e disse que estava tudo bem.

Meia hora depois, Arturzinho apareceu na sala pálido, trêmulo e com cara de choro. A mãe pensou tratar-se de doença de mato, uma alergia, picada de cobra, quem sabe uma intoxicação alimentar. Mas não, o menino estava abatido porque não havia manifestação na cidade e nada fora marcado para o dia seguinte. Como poderia suportar o tédio de uma cidade em ordem, conformada e silenciosa?

Na verdade, muitos de nós agimos como Arturzinho durante o mês de junho. Enquanto as manifestações pipocavam pelo país, havia uma excitação visível no rosto das pessoas, um incontido entusiasmo nas conversas e comentários, uma cumplicidade quase total com as palavras de ordem que agitavam as ruas. Tomados de expectativa, acompanhamos os protestos cheios de esperança e convicção, em perfeita sintonia com os desígnios da senhora dona História. E assim como Arturzinho, compreendemos que o país não pode mais voltar ao sono impávido do conformismo e da indiferença, depois de ter vivido o clímax ou a apoteose de um movimento democrático.

Talvez seja por isso que sentimos tédio quando ouvimos ou lemos opiniões de alguns sociólogos, jornalistas, intelectuais e políticos sobre os acontecimentos de junho. Estávamos lá, e a história é bem melhor ao vivo e em cores do que nas suposições de quem viu tudo de longe, e de nariz meio torcido.

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