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Opinião
26/12/2013 10h31

Libertas Quae Sera Tamen

José Luiz Ayres

por José Luiz Ayres

Certa feita, como turistas inveterados que ainda somos, lá estávamos mais uma vez a curtir a arte criada pelo italiano no século XVII, Barromini que inspirou artistas no Brasil, como Antônio  Francisco Lisboa, o famoso aleijadinho, a desenvolvê-la através de sua criatividade magistral, figuras sacras esculpidas e entalhadas em pedra sabão e madeira, que expostas às igrejas pelo interior mineiro, aos nossos olhos permanecem como verdadeiros monumentos a se sobressair tornando-o eternizado como o maior artista e criador do barroco brasileiro, cujo acervo deste patrimônio bem preservado, nos transporta no tempo ao admirá-lo e sentir o quão sua arte é extraordinária.

Hospedados numa aconchegante pousada à cidade mineira de Tiradentes, cujo ambiente decorativo e as linhas arquitetônicas mais nos deixavam sensibilizados e atraídos pelo bom gosto de características tendenciosas ao barroco, quando no alpendre a curtir o incrível visual, se chega à portaria um casal, que nos pareceu pelo procedimento, procurar hospedagens. O gerente como sempre gentil, e  solícito, e sorridente, o atendeu com seu peculiar estilo e, após alguns minutos, fez o camareiro, portanto a mala, encaminha-se aos aposentos com o casal em total êxtase; abraçados, com a mulher conduzindo um “bouquet” de rosas brancas e sua bolsa, nitidamente empolgada a suspirar imbuída pela emoção.

Deixando o local, me dirigi à portaria alertado pelo delicioso aroma de café, no intuito, óbvio, em saboreá-lo, pois sobre o balcão uma bandeja com xícaras e um bule se encontravam, quando fui abordado pelo simpático gerente, que expondo sorriso de orelha a orelha, falou:- Como o amor é lindo! Veja o senhor que este casal recém-chegado, acabou, segundo o cidadão, de contrair casamento esta manhã em Barbacena e veio nos brindar com lua de mel em Tiradentes, a dizer que seu objetivo é curtir este recanto, cuja tradição histórica o faz inspirar-se nos ideais dos inconfidentes, em que a liberdade antes que tardia é o lema para que possam ser felizes. A partir de agora, sem que sejam discriminados perante a sociedade.

A bebericar o delicioso café, achei estranho tais palavras e colocando a xícara no pires, meneei a cabeça um tanto interrogativo deixando o local, seguindo aos meus aposentos, onde contei o fato a minha mulher, que também concordou com meu posicionamento.

Dois dias após a chegada daquele casal, pela manhã quando deixávamos o refeitório, a camareira espavorida se chega aturdida à gerência. Apavorada, visivelmente conturbada, gaguejando fala ao gerente, que perturbado pede calma à desarticulada serviçal. Aguardando a solicitar o fechamento da nossa conta, pois seguiríamos a Congonhas do Campo, pude ouvir às palavras da mulher, que ao penetrar no quarto do casal, já que à maçaneta da porta o cartazete afixado dava como desocupado e, lógico, à arrumação e limpeza, ao penetrar, espantou-se ao observar sobre a cama o casal abraçado. Mas o pior ocorreu, quando assustados se desgrudaram do enrosco amoroso e ver que o casal não era um casal, mas sim duas mulheres, já que desnudas observou os “detalhes físicos” de ambas.

Fazendo o sinal da cruz, a pobre e humilde camareira desabafa a dizer:- Desconjuro, mas isso só poder ser coisa do diabo. Onde já se viu isso moço! Nunca vi tal coisa na vida! Este mundo tá perdido! Valei-me Deus!

Olhando o gerente, que boquiaberto, estupefato a demonstrar perplexidade, pede à serviçal que não comentasse o fato, pelo menos até que deixassem a pousada. Ao pedir enfim a conta, pois seguiríamos à cidade do profeta Daniel, procurando ser discreto, externei: - Lembra o que o senhor me passou quando aqui o dito “casal” se chegou, ao dizer sobre o objetivo de estar em Tiradentes? Pois é, democracia é isto e a liberdade de cada um deve ser respeitada e encarada, desde que não fira a liberdade do outro, pois discriminar um ser humano é abominável, mesmo que para muitos essa liberdade de expressão possa ser considerada libertinagem e imoralidade perante essa sociedade repressora, cujo ranço moralista ainda perpetua-se hipocritamente entre nós.

Moral da história: Discriminar e impor preconceitos, é o mesmo que levar ao cadafalso um ser cujos sentimentos e opções pessoais não sejam aquelas que achamos e atribuímos ser e por isso devemos “enforcá-lo” e bani-lo de nosso convívio.

Ah... mas que esses turistas nos proporcionam de forma humorosa, pela reação de quem os descobriram, são sem dúvida muito além de pitorescos, no que pese a demonstração homofóbica infeliz dos empregados da pousada.

 

 


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