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Opinião
17/04/2019 17h22

Mussum Forevis

Por Henrique Selva Manara

Ouvimos uma voz grave sentenciando o triste fato “¬_É, tá vendo como é que é? Vai ter que sair mémo, é o pogresso, o pogresso! O metrô vai passar em baixo! O pão cai e cai com a manteiga pra baixo (...) Não empurra, não empurra.” Saudosa maloca, música e letra de Adoniran Barbosa, gravada pelos Originais do Samba em 1973 no disco É PRECISO CANTAR , nos apresenta essa triste introdução encenada na voz de ninguém menos que Carlinhos do Reco Reco, Mumu da Mangueira, ou simplesmente, Mussum. Para quem tem menos que 25 anos de idade esse nome provavelmente ecoa por meio de centenas de memes na internet (ou melhor seria dizer mémis ?) parodiando celebridades como Barack Obama (Obamis), Kurt Cobain (Nirvanis), ou talvez, para os fãs do mé artesanal, ele chega através da cerveja Cacildis. Porém, quem já tem seus 30 anos e morou no Brasil nos seus primeiros 5 anos, possivelmente teve a sorte de ver os últimos anos de performance desse amado comediante que roubava a cena no programa OS TRAPALHÕES. Os Trapalhões era um momento sagrado para a maioria dos brasileiros aos domingos. Lembro das sagas internas que meu coração sofria quando era criança. Morávamos em Betim e aos fins de íamos visitar nossa tia Tereza (Cadê Tereza?) em Contagem. Sofria pensando se iríamos embora a tempo de assistir ou não o programa. Para minha sorte meus pais sempre decidiam entre ir embora mais cedo para assistir em casa, ou só ir embora depois que assistíssemos todos os primos juntos as trapalhadas daqueles quatro palhaços sem narizes vermelhos. Toda a minha infância foi marcada por esses domingos, junto de toda uma série de outras culturas pops que a maioria consumia. Os Trapalhões estão no mesmo álbum de figurinhas que guardam Ayrton Senna, Michael Jackson, Menudo, Esquadrão Classe A, Thundercats, Show da Xuxa, Bozo, Pantera Cor de Rosa e Caverna do Dragão. Era um tempo ingênuo, e hoje penso que talvez isso não fosse bom, mas “jogávamos as cascas pra lá”. Minha infância foi um momento de recém pós -ditadura, quando pairava um ar de paz e anestesia estimulada pelos Shows de calouros e Fantásticos da vida. Cantores sertanejos celebravam um cancioneiro romântico e pouco me lembro de discursos de cunho politizado questionador, salvo um Cazuza, o cenário provavelmente era aquele de que “precisamos esquecer nossas feridas”. Parece que estou fugindo do assunto, e talvez essa seja essa a tendência em momentos de falta de perspectiva de respeito à justiça e de direitos à igualdade social, quando um pai é assassinado na frente de sua família com 80 tiros e isso é encarado como um erro possível pelas autoridades que deveriam fiscalizar essas atrocidades, mas não, então, voltemos ao Mussum. Falar de Mussum é falar sobre muito Brasil. Nesse mês de abril ganhamos um presente, MUSSUM, UM FILME DO CACILDIS, dirigido por Susanna Lira e narrado por Lázaro Ramos. Disse aqui que tive a sorte (eu tinha tv em casa) de ter acompanhado parte da carreira do humorista na minha infância, mas há quem teve mais sorte, pois antes de ser o Mussum dos Trapalhões, Antônio Carlos era o Carlinhos do reco-reco, vocalista e percussionista da lendária banda Originais do Samba. O apelido Mussum surgiu durante uma apresentação do programa de TV, o BAIRRO FELIZ, estrelado por ninguém menos que GRANDE OLETO. Reza a lenda que em um episódio Grande Otelo, ao errar um número deixando cair um livro de suas mãos, provocou uma larga gargalhada de Antônio Carlos, no que Grande Otelo bravo olhou para o músico e disse “_ Você é um Mussum.” No início o músico não gostou do apelido, era um apelido pejorativo usado na época, mas posteriormente “explicado” por Otelo (um dos maiores ícones da comédia brasileira, ator também negro) o motivo da escolha, acabou cedendo à brincadeira. Muçum com Ç, é o nome de um peixe escuro, escorregadio, que lembra uma cobra, ou seja, um peixe safo. Antonio Carlos foi um homem de origem humilde, ao se alfabetizar ensinou sua mãe a ler e escrever. Mais velho serviu a aeronáutica como uma forma de se sustentar, mas dedicava suas horas vagas ao seu grande amor, o samba. Já nos Originais do Samba, Mussum escolhia interpretar letras que falavam da realidade de um povo simples, do morro, letras que cantavam o amor e a solidariedade como CADÊ TEREZA (Jorge Ben) ou DO LADO DIREITO DA RUA DIREITA (Luis Carlos e Chiquinho), mas também sobre a desigualdade social no qual o povo pobre, e em sua maioria negro, é vítima, exemplo em A SUBIDA DO MORRO (Moreira da Silva) e SAUDOSA MALOCA (Adoniran Barbosa), como podemos ver nos trecho que transcrevemos no início desse texto. Mussum em seus improvisos e arranjos cênicos, sutilmente apontava para problemas que deveriam ser observados por todos. Já nos Trapalhões, como a maioria dos atores negros da época, Mussum sofria piadas estereotipadas e racistas, mas não sem revidar, como no jargão “_ Negrão é seu passadis”, ou quando lhe perguntaram se ele era faixa preta sua resposta foi “_Sou preto inteiris, meu cumpadis.” Não devia ser fácil ser um ator negro na Rede Globo, provavelmente ainda não seja. Em um determinado momento do documentário Mussum diz, “_ Precisamos trazer mais negros para a TV.” Em tempos atuais, quando o difícil trabalho de desconstrução de conceitos e pré-conceitos deve ser exercitado no dia a dia, é importante que pensemos sobre a responsabilidade e poder exercidos por pessoas que tem um grande alcance de público, em especial os comediantes. Não vivemos mais o momento de “anistia” que pretende tapar o sol com a peneira e encarar qualquer fala como uma simples brincadeira. Fazer comédia é algo sério e político. Se no passado artistas de carismas e talentos fabulosos, como Mussum e Grande Otelo, necessitavam se adaptar aos poucos espaços que as mídias lhes reservavam, hoje esse lugar deve ser debatido, desconstruído e revisitado com um olhar crítico e questionador. O primeiro palhaço brasileiro que se tem registro foi um ator negro, Benjamim Chaves (1870 —1954), assim como ele e Mussum, nossa história é abundante em grandes personalidades negras. Já passou da hora de nos perguntarmos porque as coisas no Brasil nunca são o mesmo peso para a mesma medida. Será que voltaremos a tapar os olhos para que as piadas que sabemos serem erradas sejam entendidas como mera brincadeira?

Deixo aqui esses versos cantados por Mussum junto aos Originais do Samba na música CONFIANÇA, como uma dica para o que estamos construindo, de preferência juntos.

“Nunca tenha medo do seu inimigo
Quando não é você que começa a brigar
Também nunca ande de cabeça baixa e bem danado
Pois nem tudo que cai do céu é sagrado (...)
Se a reza é forte, você vai ver.
Que amanhã um lindo dia vai nascer

Lembremos e celebremos nossos grandes artistas, MUSSUM FOREVIS.

MUSSUM: Antônio Carlos Bernardes Gomes, mais conhecido pelo nome artístico Mussum (Rio de Janeiro, 7 de abril de 1941 — São Paulo, 29 de julho de 1994), foi um humorista, ator, músico, cantor e compositor brasileiro.
Fontes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mussum
https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2019/03/14/documentario-mussum-um-filme-do-cacildis-ganha-trailer-assista.ghtml
http://lelivros.love/book/baixar-livro-mussum-forevis-samba-me-e-trapalhoes-julliano-barreto-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/
https://www.youtube.com/watch?v=G9Qi90svPok

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