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Opinião
23/05/2013 11h05

O embrulhado Fouad, o mascate

História de José Luiz Ayres

Recordando-me das histórias contadas pelo velho Paixão, saudoso chefe da estação ferroviária da cidade de Campanha, MG, as quais sempre tinham suas pitadas humorosas e dramáticas a torná-las interessantes a quem as ouvia. Lembro-me de um episódio por ele contado, onde acabou envolvido por querer ajudar a um amigo, cuja situação complicada que se meteu, o obrigava a protegê-lo de possível tragédia se assim não o fizesse, mesmo correndo risco pela articulação em salvaguardá-lo.

Havia um cidadão de origem árabe, de nome Fouad, que há anos vivia a percorrer o Sul de Minas a vender seus produtos como mascate – vendedor ambulante de mercadorias – pelas cidades e lugarejos de preferência servidos no apoio dos trens, já que possuía duas pesadas canastras contendo mercadorias que permaneciam sob a guarda dos chefes de estações enquanto mascateava nos locais que visitava, em deferência a sua integridade como cidadão. Como não bastasse esta qualidade, era dotado de enorme simpatia a torná-lo uma pessoa bem quista, principalmente junto aos funcionários das ferrovias onde desfrutava de inúmeras amizades.

Contava Paixão, que numa ocasião, Fouad espavorido e apavorado, entra à sua sala desprovido do surrado chapéu a expor a lustrosa calva, em cujo suor a deixava ainda mais reluzente e sob respiração ofegante quase não podendo articular palavras, onde, a muito custo, no seu português complicado se expressou: “Paixon, Fouad é brocurada bro marida da freguesa, que fala em me matar bro Fouad vende mercadoria bonita bra freguesa”. Paixão surpreso e preocupado, sem saber como agir, por impulso, pede ao libanês ocultar-se no toalete até que o chamasse, que iria tomar pé da situação e saber o porquê daquele entrevero.

Ao deixar a sala, trancando-a ao sair, de posse da bandeirola vermelha – utensílio sinalizador aos maquinistas a parar o trem – já que aguardava a passagem direta de um cargueiro proveniente de São Gonçalo do Sapucaí, previsto em 25 minutos, quando surge à plataforma um cidadão, que após apear do cavalo, dirigindo-se a Paixão o indaga se um turco mascate esteve na estação. Com certa calma, mostrando-se tranqüilo depois de responder que não, indagou do enfurecido cidadão qual era o motivo de sua revolta. O homem bem irado, esbravejando, revelou seu descontentamento a dizer que o “turco” safado assediou sua mulher oferecendo “roupas de baixo atrevidas e indecentes, para ela, no intuito de o agradar. Segundo sua concepção, isto era um ultraje, pois onde já se viu um homem vender peças de baixo femininas? P’ra isso existem lojas e vendeusas a vender. Como foi por necessidade em casa, pegou sua mulher experimentando as roupas a dizer que foram deixadas pelo mascate Fouad.

Acalmando o cidadão indignado, após Paixão contemporizar o problema, o homem se retirou visivelmente transtornado, dando nítida impressão de querer ir às vias de fato com o pobre e ingênuo libanês.

Paixão, embora concordasse em parte com o dito ultrajado, reconhecia que o mascate fazia o seu papel em vender. Afinal oferecer suas novidades trazidas da capital era a sua função. Assim que o inconformado saiu a cavalo, dirigiu-se à sua sala a liberar o libanês do toalete e pedir que se preparasse a embarcar na cabine da locomotiva à cidade de Cambuquira, pois o tal cidadão estava à sua procura na cidade. E quanto as suas canastras, seriam embarcadas no expresso das 05:30 horas no dia seguinte com o mesmo destino.

De súbito, ao longe, ecoa pelo ar o apito do cargueiro. Paixão ao deixar a sala portando sua bandeirola vermelha, solicita que Fouad aguarde o seu chamado à porta para galgar a cabine da máquina. Seguindo aos trilhos, a 100m da estação, um agente de posse de outra bandeirola, também pôs-se a sinalizar ao maquinista por ordem de Paixão, pois queria se garantir que o cargueiro parasse para seu alívio, já que caso não ocorresse, não sei o que aconteceria e como seria o “futuro” do pobre mascate. Felizmente o trem parou e Fouad introduziu-se à Maria-Fumaça para o desafogo do velho Paixão, que em seguida vai a sua sala a fim de passar a mensagem, via telégrafo, que o cargueiro acabara de passar por Campanha e que pararia rapidamente em Cambuquira a deixar um “embrulho” de nome Fouad.

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