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Opinião
24/07/2014 15h03

O sorriso que ficou pra trás

José Luiz Ayres

Por José Luiz Ayres

Aquela manhã lá estava Ramiro, seu pai e avô a bordo do expresso sendo conduzidos à cidade de Itajubá, onde o avô tinha consulta com médico oftalmologista previamente marcada, visando à avaliação da evolução de sua catarata na vista esquerda e a companhia do pai era fundamental em auxilia-lo, já que Ramiro se via impossibilitado em acompanhá-lo dada às obrigações escolares no curso preparatório ao vestibular.

Com algum tempo de viagem o pai resolveu comer alguma coisa, retirando da sacola uma banana e indagou do avô se não queria uma fruta. Aceitando a sugestão, lhe foi entregue a banana que logo se pôs a comê-la. De repente, o “velho”, se põe a tossir como  houvesse se engasgado, o que obrigou ao pai batê-lo às costas, - prática comum, embora errada de desengasgar alguém - tentando livrá-lo da situação aflitiva. Não tardou, o avô desengasgou e de posse do lenço passou a utilizá-lo sobre as vistas e nariz, já que pelo esforço e a tosse inevitável provocaram as lágrimas e obviamente a coriza.

Ramiro que acorreu em auxilio dos dois retornou ao seu assento aliviado a dizer ao avô, que tivesse mais cuidados nas coisas praticadas, pois sua idade requer atenção, principalmente na mastigação. O avô virando-se ao neto, depois de pigarrear por duas vezes, abre um largo sorriso e profere: - Meu neto, pode deixar que eu sei das coisas e mastigo muito antes de engolir e sorrir daqueles que comigo se preocupam me achando um idoso senil.

Com boa parte da viagem percorrida, o pai ergueu-se do assento a deixar a locomoção livre ao avô, que também deixou o lugar seguindo pelo corredor à direção do toalete,  recusando-se da ajuda, e apenas o acompanharam em olhá-lo até introduzir-se ao toalete batendo fortemente a porta atrás de si.

De súbito, minutos depois, observam um falatório vindo do fundo do vagão, onde o pigarrear insistente se fez presente, que ao voltarem-se, veem o avô a gesticular junto ao chefe do trem que se mostrava um tanto desarticulado. O pai saiu do lugar indo saber o que estava ocorrendo. Ao retornarem as poltronas, o avô visivelmente aborrecido com o semblante a demostrar um ar estranho, parecendo faltar alguma coisa, tendo o queixo encolhido com a boca encoberta pelo espesso bigode. Ao se sentar, o neto um tanto interrogativo  indaga o que ocorreu e a resposta foi dada pelo pai, dizendo que ele queria porque queria que o chefe parasse o trem a fim de apanhar a sua “mobília”, caída pelo buraco da latrina, - as privadas nos trens tinham seus esgotamentos sem água no bojo e os detritos eliminados por buraco direto aos trilhos - sem como recuperá-la. Segundo foi dito, quando o avô urinava apoiando-se à lateral do madeirame, teve um acesso de tosse e não pode conter o “pulo da mobília” que caiu, infelizmente, na privada. Procurou o chefe do trem para que fizesse parar trem, o que óbvio não foi possível. O avô que ouvia a conversa entre pai e filho, vira-se aos dois a expor a boca murcha em que só a dentição inferior aparecia, com certo humor preferiu: - Agora daqui pra frente vai ser assim, pois o sorriso ficou lá trás a sorrir entre trilhos.

Contendo o riso, pai e filho se entreolharam e vovô na sua indiferença, permaneceu a apreciar as paisagens aparentemente conformado pela perda da dentadura, a qual sobre leito férreo, lá pra a trás estava a sorrir.

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