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Opinião
30/05/2013 11h27

Retratos da Vida (parte I)

Filipe Gannam fala sobre seu período na faculdade.

O saudoso Curso ADN Pré-Médico que cursei no ano em que o Rio de Janeiro completava 400 anos – 1965 – funcionava em grandes salas na Rua Álvaro Alvim, 21, Cinelândia.

Claro que com o espaço que havia – cada classe comportava cerca de 100 alunos ou um pouco mais – raros chegavam a se conhecer profundamente ou a se tornar amigos (fiz questão de colocar isso em itálico porque acho uma palavra muito comprometedora. Talvez o mais certo seja companheiros ou conhecidos).

Sempre fui o colega que liderou atividades como tirar retratos, programar saídas juntos e coisas do gênero. E nunca quis que a história de nossas vidas se perdesse.

Assim, chegado o final daquele ano, comecei a conversar com a turminha dos que eram mais chegados. O momento das fotos ia sendo adiado, pois até que se conseguisse juntar onze pessoas sem nenhum compromisso, era complicado.                   

Enfim, numa segunda-feira, após a aula de Química do grande professor David Goldstein e outra de Física de Enéas – futuro candidato a presidente da República e depois deputado federal por São Paulo – e já quase à hora do almoço, conseguimos!

Era o dia 10 de janeiro de 1966. Faltavam cerca de cinco semanas para o vestibular temido e esperado. Saímos de lá muito apreensivos com a proximidade do grande dia.

Dos citados na semana anterior, sem dúvida, Isis era a menina mais bonita, aliás, da sala toda e Emília aquela com quem conversava mais.

Quando terminamos a sessão das fotos, cheguei a falar com a turminha:

– Quem sabe até o final de nossas vidas poderemos estar juntos aqui a cada 10 de janeiro, tirando outro retrato e contando as novidades, já que diariamente fazemos isso quando chegamos no Curso?  Somos tão amigos. Amizade não morre!

Naquela  noite o Rio foi vítima de uma das maiores chuvas e posterior enchente de sua história e com isso, a revelação dos retratos e sua entrega tiveram que ser adiadas. Quem sabe a cidade chorou por ver o quanto era utópico o pensamento daquele jovem de 18 anos?

Quando ficaram prontos, fui o encarregado de mandar fazer cópias para todos e distribuí-las.

A cada um que as entregava, falava algo mais ou menos assim:

– Mesmo que não permaneçamos juntos, numa faculdade, ano que vem, procuremos ser sempre companheiros e unidos até o final de nossas vidas.

– Claro! – respondiam – vamos ficar todos em contato, mesmo com o correr do tempo!

Confesso que sempre fui um iludido em relação a temas como esse. Senti-me um pouco diferente da quase totalidade das pessoas com quem convivi. Jamais me esqueço de algum colega, sempre tenho por eles a máxima consideração, mas a recíproca nem sempre é verdadeira...   

Anos atrás recebi em meu consultório um antigo colega de Varginha. Quando me aproximei dele todo feliz e esfuziante para abraçá-lo e matar as saudades, ouvi-o dizer:

– Nós fomos colegas? De quê? Onde? Não me lembro de nada disso! Tem certeza?

Problemas de quem tem boa memória...

Mas, voltando ao tema anterior, passado o vestibular e com a chegada dos resultados, infelizmente, apenas Joaquim entrou comigo na Faculdade Nacional de Medicina e mesmo depois de formados, nos encontramos esporadicamente. Quanto aos outros, voltei a ver alguns deles logo após iniciar o curso médico e jamais tive notícias outra vez.

Dou testemunho de que jamais me esqueci de nenhum. Mesmo que se tivessem passado 40 anos, eles permaneciam vivos em meu pensamento. Frequentemente pegava as fotos e ficava imaginando onde e como estaria cada um dos outros nove. 

Quando meu último livro, onde é narrado aquele período ficou pronto, as saudades aumentaram e a vontade de resgatá-los para minha vida foi muito grande. Admito que tive medo de tentar achá-los e não conseguir, e de como me receberia  cada um. Tinha noção de que seria um trabalho de detetive que teria que fazer praticamente sozinho. Sabia também que as pessoas mudam muito com o correr do tempo e que corria risco de não ser nem ao menos lembrado, como aconteceu no caso acima narrado. Mesmo assim, não esmoreci. Resolvi que teria que colocar as mãos à obra...

(Escrito em 2013: continuo encontrando o querido Joaquim com certa frequência).

(continua)

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