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Opinião
13/06/2013 10h31

Retratos da Vida (parte III)

Filipe Gannam dá sequência da sua história, com mais um capítulo.

Amarante

José de Freitas Amarante, conhecido pelo sobrenome, era um mineiro, moreno – não sei se possuía ascendência negra – simpático, puro e agradável e lhe dedicava um carinho especial. Pessoas puras sempre me encantaram. Usava óculos de lentes grossas e tinha alguns anos a mais que eu. Quando soube minha idade, 18 anos, e que já fazia o cursinho, admirou-se. Trabalhava no Banco Mineiro da Produção na Av. Presidente Vargas. Tanto no princípio de 1965 quanto no de 1966, levou calendários de propaganda de seu local de trabalho para nós. Se não tivéssemos sofrido a enchente de 2000 eu ainda os teria.

Era brincalhão. Mas, apesar de sempre ter sido avesso a brincadeiras, as suas jamais me irritaram.

Durante o ano de 1966, ainda o vi algumas vezes, e no dia em que fui me despedir da Emília, encontrei-o em sua casa. Depois, nunca mais, e nenhuma notícia...

Confesso que quando resolvi iniciar minhas pesquisas tinha medo de alguém não viver mais, principalmente os mais velhos. A cada um que procurava a expectativa era grande e tinha medo da maneira com que me receberiam.  

Foi o segundo que escolhi para procurar. Comecei a busca na Lista Online, na cidade do Rio de Janeiro e, tiro e queda! Lá estava um telefone em seu nome! Não hesitei em telefonar imediatamente. Era o filho dele quem falava comigo e pensei: – pronto, agora mesmo vai me contar que o querido colega já se foi desta para a melhor. Mas não era isso. Soube que Amarante era médico obstetra e morava em Lorena, tão perto de mim, sem que eu imaginasse.

De posse de seu número telefone, tentei falar no dia seguinte com ele, mas não consegui. Ainda se passaram alguns dias até que ouvisse sua voz depois de 40 anos. Impressionante como enquanto vamos ouvindo  vozes depois de muitos anos, nos lembramos mais da pessoa.

– Amarante, querido, aqui é um ex-colega de cursinho vestibular, gostaria de saber se você se lembra de mim – dizia-lhe.

À medida que ele não ia se recordando, eu falava mais dados a meu respeito, sugerindo inclusive que procurasse se lembrar de minha voz, que muitos dizem ser inconfundível.

Vários nomes vieram-lhe à memória, inclusive de pessoas que não estavam no retrato, até que finalmente, desisti e me identifiquei.

Para minha tristeza, não houve meio de ele lembrar-se de mim. Tratou-me muito bem, conversamos bastante, mas nem de meu nome se recordou. Disse que cursara Medicina em Valença, tendo entrado uns três anos depois e de maneira nenhuma se recordava daquelas fotos, o que foi muito triste. Fiquei pensando em que momento, em que etapa da vida, em que circunstâncias ele teria se desfeito delas. O que levaria uma pessoa a fazer isso, já que eu não tenho essa coragem, mas sei de muitos que a possuem?

Contou-me que não tinha filho médico ou estudando Medicina e que, infelizmente, enviuvara pouco tempo antes. O bom Amarante fora privado da companhia de quem amava tanto. Prometeu-me uma visita em São Lourenço, aqui apanhando seu exemplar do novo livro.

Como o tempo passava, ansioso por revê-lo e vendo que não vinha, um mês depois, fiz outra ligação. Então, encomendou um livro que foi enviado imediatamente. Ainda aguardo seus comentários para saber se ficou feliz ao ver seu nome lá.  Enquanto isso, a vinda dele até aqui foi adiada sine die... 

Mesmo não sentindo nada tão positivo até aquele momento, resolvi continuar com minhas pesquisas... Pelo menos até então já garantira quatro vivos, dos onze, pois, como disse, tenho contatos com o Joaquim eventualmente.  

Esta história já está toda escrita até o final, mas quero acrescentar algo que não fazia parte do capítulo Amarante: para minha alegria, no final de semana em que este semanário circula, estamos nos reencontrando aqui em São Lourenço, depois de tantos anos. Em minhas conversas com ele me impressiona o quanto ele seguiu sendo puro e manso. 

(escrito em 2013: depois dessa ocasião Amarante esteve em minha casa almoçando e em algumas das festas que costumo fazer em ocasiões especiais)

(continua)

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