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Opinião
10/10/2013 16h39

Ser magro

Felipe Gannam conta mais uma de suas histórias.

por Felipe Gannam


− Fala para o Filipe que a Luíza não liga para bolão azedo não!

Esta foi a frase que ouvi em 1957, trazida por minha irmã caçula, quando, com apenas dez anos, meti-me a querer namorar uma vizinha uns dois anos mais velha do que eu. O recado viera através da irmã dela.

Papai ficou indignado. Filho, dele não poderia levar fora de menina alguma. 

Veio descendo comigo a rua Cel. José Justino, em frente ao Grande Hotel e perguntando:

− Sabe o que é desdém, meu filho? É isto o que você tem que fazer. Acredito que  sua futura esposa deve estar nascendo neste ano de 1957. Não se preocupe com estas meninas que são mais velhas  que você.

− Gordo, ô Gordo, me dá uma carona na sua bicicleta?           

Esta ouvi em 1959 de um menino que nas cercanias do Parque, que queria uma carona na garupa de minha bicicleta que não foi dada.

O fato é que, apesar de  jamais ter sido verdadeiramente gordo, isto marcou-me para sempre. Desde então é uma luta constante com a balança. Não admito ser e nem parecer gordo. 

O que sempre vigiei muito foi o tamanho de minha barriga, que não é nada, considerando-se outras que vejo por aí. Consigo manter meu peso sempre dentro de certos padrões, à custa de muito esforço. No começo, eram dietas para não engordar  e hoje são dietas para não aumentar os índices da bioquímica do sangue: glicose, colesterol, triglicérides, ácido úrico e outros.

− Dra. Terezinha, eu estou aqui porque quero que a senhora me dê uma dieta  para emagrecer. Não quero nada que seja parecido com  fazer ginástica.

Isto foi dito a ela no antigo prédio da Mobiliária São Lourenço, onde era localizado seu consultório.

Na mesma hora, ela pegou uma folha do bloco de receitas e escreveu um pedido de exame: metabolismo basal.  

Aconteceu em 1963, eu tinha dezesseis anos. Não fiz nada do que ela pediu.

Em 1964 resolvi, definitivamente, que iria fazer um regime sério. Fui consultar no antigo INPS na Av. Presidente Vargas, no Rio. Pediram-me vários exames, deram-me remédios, inclusive uns que foram proibidos depois, por serem considerados bolinhas (Dexamil, por exemplo) e uma dieta rigorosa, que me encarreguei, com toda a força de vontade que sempre tive, de aumentar mais ainda.

Em 6 meses, baixei meu peso de 85kg  para 69kg. Ninguém acredita!

Quando papai chegava no Rio e reclamava de que  estava muito magro, retrucava dizendo que ele estava exagerando e que  estava pesando 75kg mais ou menos. Ele que não era bobo, chamava-me para ir pesar na frente dele. Só que eu também não era. Escolhia a balança estragada de uma das farmácias da Voluntários da Pátria que aumentava em três ou quatro quilos o verdadeiro peso. Além disto, enchia meu bolso com tudo o que pudesse fazer peso e ele saía satisfeito, vendo que, afinal, além de não ser um mentiroso, seu filho não estava tão magro como parecia...

A vida toda lutou para que eu  não fizesse dieta, sem que eu  atendesse aos seus apelos. Ele tinha  uma técnica, inteligente que era, nos últimos tempos: quando achava que  tinha engordado um pouco e estava mais de acordo com o que ele idealizava, afirmava estar me achando magro, para que  não me preocupasse. E quando  estava magro mesmo, falava com mais ênfase ainda. 

Com tudo isto, devo ter sido uma das pessoas que mais passou fome na vida, mesmo podendo comprar comida. Só fraquejei mesmo na lua-de-mel. Foi comida de tudo quanto é tipo e em grandes quantidades e voltei mais gordo que nunca, valendo até um comentário sarcástico dos que meu irmão costuma fazer:

− Foi a única lua-de-mel em que o noivo  voltou “grávido” em vez da noiva.  

Gordo ou magro, aparentando ou não, pretendo manter-me na dieta até o final de meus dias, saindo dela raramente. Nunca saio de minha média. Sentir-se mais magro até alegra a gente.

Podem ter certeza. Os que se dispuserem a carregar minha urna, na última viagem, não ficarão com dores de coluna por culpa de meu peso, como já fiquei algumas vezes. Isto lhes prometo!

 

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