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Opinião
24/10/2013 09h22

Tempos de Evanil

Filipe Gannam

por Filipe Gannam


Houve várias companhias rodoviárias que fizeram a viagem até o Rio. Muitas delas ficaram em minha memória: Eva, Pássaro Marrom, Nova Iguaçu Auto Ônibus e outras mais recentes. No entanto, a que mais me marcou foi a Evanil (Empresa de Viação Automobilística Nova Iguaçu Ltda.).  Durante a maior parte do tempo em que vivi no Rio de Janeiro foi  a empresa que fez a linha. Somente no final é que veio a Turismo Santa Bárbara.

A cor que predominava em seus ônibus era a verde escura. Se  fosse contar todas as viagens feitas naqueles anos, poderia fazer um livro sobre os acontecimentos. Sua agência ficava à Av. Getúlio Vargas. Houve épocas que lá funcionava a própria rodoviária, apenas numa loja. Depois ficou sendo só o local dos ônibus da Evanil. Clemente Pimenta, hoje residente em Passa Quatro, alugou uma das lojas embaixo do apartamento em que vivíamos para ser o agente das empresas que faziam as outras linhas.      

Um episódio interessante deu-se nos primeiros dias de dezembro de 1963, quando regressava para as férias de final de ano do primeiro científico, junto com meu pai . Havia conseguido passar, com muito esforço, estudando no colégio mais apertado de tantos pelos quais passei. Para comemorar, quando cheguei à antiga rodoviária da Praça Mauá, entrei num bar, pedindo um misto quente e um Ovomaltine.

Menos de duas horas depois, fui acometido de uma grande dor de barriga e vim com diarreia de lá até aqui. Ressalte-se que os ônibus ainda não tinham o conforto de contar com um banheiro.  Assim, somente nas paradas dele é que  podia descer e voar para um dos banheiros.     

O mínimo que se gastava de tempo para viajar daqui até o Rio eram seis horas e meia, com três paradas. Uma em Itamonte, outra em Três Pinheiros e outra no Restaurante Vista Alegre, antes de descer a Serra das Araras. Em alguma época pertenceu ao Geraldinho do Hotel Rio Branco. Havia poucos horários de ônibus e as passagens em São Lourenço eram muitas vezes compradas no câmbio negro. Como as entradas para determinados jogos de futebol. Alguns carregadores compravam muitas passagens,  e as revendiam bem mais caras do que o preço normal. 

Naquele mesmo ano de 1963 (ou seria no ano seguinte?), ao sair do consultório do Dr. Luís Vargas, vi um ônibus da Evanil pequeno, de número de ordem 103, estacionado em frente. Dois dias depois a fotografia dele sendo içado de um rio na Baixada Fluminense estava nas primeiras páginas dos jornais cariocas. Em uma viagem entre Resende e Rio, linha que também  era feita por aquela empresa,  batera na amurada de uma ponte e caíra rio abaixo. Morreram, se não me engano todos os passageiros. Desde então, a população de Resende não aceitou que os serviços de viagem para o Rio fossem feitos pela Evanil.                                              

Granada! Universal! Copacabana! Elite! ............ . Durante anos e anos de minha vida acostumei-me com o vozerio dos recepcionistas dos hotéis vindo buscar os hóspedes que chegavam para levá-los em suas conduções. Mas, um dia este costume acabou como tantos outros que marcaram meus primeiros anos de vida. Havia os hotéis que tinham ônibus, os que tinham Kombis e outros em que os próprios porteiros dos hotéis ou algum carregador iam levando as bagagens. Eram aqueles que ficavam mais perto do local de desembarque. Os carregadores marcaram época. Eram numerados, tinham uniformes e eram os mesmos que trabalhavam em nossa estação ferroviária: Melo, Amâncio, Jaburu, Vicente, Benedito e tantos outros dos quais a memória não se lembra.

Durante anos a fio, fui despertado pelo coro dos veranistas cantando ao se despedirem de algum amigo que ia embora, antes do embarque:        

− Quem parte de São Lourenço, não leva lenço, leva lençol.......

Os números de ordem dos ônibus, 157, 159, 161,163,165, 167, 169,171, 173, 197 e 199, na primeira fase e depois muitos outros. Estes todos eram Mercedes Benz, novos. Muitos motoristas marcaram sua presença com nomes e apelidos que agora se confundem, passados tantos anos: Arlindo (Garrincha) Jorge (Azeitona) Severino (Peixe-Serrote), Laércio ( Piolho de Pulga), João Manuel (Batatinha), Nilson e mais alguns. Cada qual com suas características. Uns paravam mais  outros menos. Uns corriam demais, outros iam a passo de tartaruga. Diziam que ninguém ultrapassava o Batatinha na serra.  Hoje, pelo que me consta, todos são falecidos.

Um deles, de cujo nome não me recordo, era o rei das paradas. Não se importava com tempo e horários e muito menos se eu estava com pressa para chegar aqui em São Lourenço. Era irritante quando  chegava para viajar, na nova Rodoviária e via que era ele o motorista. Uma vez uma senhora perguntou-lhe o tempo de viagem até São Lourenço, ao que ele respondeu, com aquela cara de quem ia fazer dez paradas e de meia hora cada uma:  

− Só Deus é quem sabe!

(Desde este dia, fiz dessa frase seu apelido).

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