Como não bastassem os inúmeros episódios narrados por meu saudoso pai Luiz, dado ao período de sua vida que teve os trens como companheiros a ajudá-lo à labuta diária na profissão de caixeiro viajante, minha adorável e inesquecível mãe, Yolanda, também teve suas historias, onde o trem mostrou parte como integrante de narrativas, vez que se utilizou desse meio de transporte durante a época; como mocinha, que passava seus fins de semana e férias escolares à fazenda de vovô à localidade de Taboas, distrito de Rio das Flores, RJ.
Embora o episódio a ser descrito não tenha ocorrido na fase que freqüentou a fazenda e sim no ano de 1950, não poderia deixar de crônicá-lo, tal o humor verificado pelo fato em si, em que uma amiga tornou-se à personagem central.
Emília, foi como outras tantas, uma grande amiga de Yolanda, não só de colégio, mas na vida cotidiana enquanto viveu. Segundo mamãe, seu maior sonho e desejo era ter sua primeira noite de casada acontecida num trem noturno com destino a São Paulo ou Belo Horizonte, acomodada em cabine individual, pois seria bem romântico e emocionante ser embalada pelo balanço do trem.
Em 1950, Emília teve seu casamento realizado e obvio o seu desejo cumprido, com o destino a Belo Horizonte e a lua-de-mel em Ouro Preto.
Partindo da E. F Central do Brasil às 21hs, lá foi o casal de pombinhos ocupando sua cabine no expresso Santa-Cruz, que na oportunidade presenteava aos nubentes com uma champanhe como cortesia da ferrovia. Cheios de mesuras, pudores, recatos e carinhos comedidos, o que era lógico e não como hoje acontece, o casal envergonhado procurava; mais a mulher, se preservar não se expondo logo a nudez sem o recato comum da época, a resguardar-se pelo pudor que eram tomados. Claro que tais procedimentos núpciais seriam quebrados ao longo da noite e tudo seria romântico e maravilhoso.
Depois de brindarem o momento, com as tendências hormonais aflorando intensamente, Emília solicitou do amado que deixasse a cabine enquanto trocava de roupa. No estreito corredor então, o amado posicionou-se a olhar pela janela envidraçada o exterior da via férrea, em que as luzes brilhantes das cidades despontavam a lhe proporcionar imagens, que misturadas às fantasias do momento nupcial, traziam em devaneios mais emoções e êxtase.
Ávido pela abertura da cabine a espera do chamamento de Emília, quando a porta de acesso ao vagão foi aberta pelo agente que ao passar o cumprimentou. De imediato à passagem do homem, de repente um grito abafado ecoa, vindo de sua cabine. Assustando-se, o amado aciona a maçaneta que se mantinha trancada e, batendo à porta grita por Emília no exato instante que a porta se escancara e sua amanda nua, deixa a cabine se abraçando ao marido em total desespero a dizer que um rato se encontrava no interior do vaso sanitário. Tentando entrar à cabine, onde é seguro por Emília, se desvencilha e vai a cata do intruso roedor. Sem atentar que estava no corredor do vagão, aflita, em desespero fica no aguardo da solução da operação “caça rato”, quando ao virar-se, depara-se com aquele agente, que ao escutar o vozeio aflitivo, retornou a ver o que estava ocorrendo; assim como de algumas cabines, pessoas abriram suas portas a fim de verificar o que estava havendo, tal alarido.
Sob forte tensão, Emília desligada e apavorada, finalmente se toca de como se encontrava, ao ter do agente o seu palitó oferecido a se cobrir. Tomada pela vergonha por estar nua, se cobre e pede ao bom homem que vá verificar o que se sucedia. Agachando-se junto a porta, acabrunhada, sob o palito do agente a se cobrir, de súbito a porta se abre e o amado abraçando-a, a faz entrar para logo em seguida o agente com o rato morto seguro pelo rabo com o auxílio de um papel, deixa a cabine ao intuito de lançá-lo fora do trem, a retornar depois a apanhar o seu palitó que serviu como roupão a envergonhada Emília, cuja primeira e esperada sonhada noite no interior de um trem noturno, ficaria marcada indelevelmente, mesmo após o eterno; “em fim a sós”. Já que na verdade houve as participações de “convidados” extras com cenas de muito humor e naturismo provocadas por um intruso e asqueroso roedor ao se intrometer sorrateiramente naquele ninho de amor!
Felizmente, como contou Emília a sua amiga Yolanda, mesmo tudo tendo só se iniciado por um pesadelo, aquele sonho de estar à cabine de um trem, tornou-se real após os momentos inesquecíveis desfrutados pelo balanço gostoso do trem, onde a cada curva acentuada a juntar mais seus corpos, dava o toque amoroso de felicidade àquela indescritível madrugada!