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Regional
30/12/2017 00h00

Mulheres do campo conquistam visibilidade no setor produtivo em Minas Gerais

Estado amplia ações voltadas para trabalhadoras rurais, impulsionando a economia feminista e agroecológica

“A mulher do campo é invisível. Apesar de contribuirmos na renda familiar, não somos reconhecidas pela sociedade”, diz a agricultora Ricarda Maria Gonçalves da Costa, de 68 anos. Moradora do assentamento Rosa Luxemburgo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), localizado em Campo do Meio, no Território Sul, Dona Ricarda - como é mais conhecida - luta pela igualdade feminina no campo.

Grande parte das mulheres que vivem no meio rural ainda enfrenta a dura realidade apontada por dona Ricarda. Em Minas Gerais, esse cenário já começou a mudar. O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (Seda), tem desenvolvido várias ações para atender antigas reivindicações das trabalhadoras rurais, incentivando a autonomia dessas mulheres e, ao mesmo tempo, fortalecendo a agricultura familiar.
Diagnóstico.

A realização de um diagnóstico sobre a situação das trabalhadoras rurais no estado era uma das principais reivindicações do documento que foi entregue ao Governo de Minas pela Articulação das Mulheres do Campo, no início de 2015, de acordo com a assessora institucional das Mulheres do Campo, das Florestas e das Águas da Seda, Maria Auxiliadora Gomes.

A pesquisa, desenvolvida pela Seda em parceria com a Fundação João Pinheiro (FJP), resultou em um livro, que será lançado em 2018. Segundo o levantamento, no Brasil, dentre as mulheres que não recebem remuneração, 64% vivem no campo.

O diagnóstico mostra ainda que, no meio rural, os homens relacionam-se diretamente às atividades econômicas que geram emprego e renda, enquanto as mulheres ocupam-se de atividades voltadas ao autoconsumo da família.

A publicação também traz o relato de várias trabalhadoras rurais, inclusive o de dona Ricarda. “Durante décadas, essas mulheres viveram sufocadas pela opressão patriarcal e, agora, por meio desse registro, ganham reconhecimento público”, frisa Maria Auxiliadora.

Exemplos de vida

Algumas histórias, porém, não estão nos livros. São transmitidas boca a boca e também servem de inspiração para que outras mulheres que trabalham no meio rural tenham coragem de lutar por seus direitos.

Relatos como o da agricultora Maria de Lourdes Nascimento, que mora em Porteirinha, no Território Norte. Nascida no sertão da Bahia, ela diz que não sabe o que é infância.

“Comecei a trabalhar aos oito anos de idade. Passei muito tempo fugindo da fome. Aos 13, convenci minha mãe a mudar de cidade em busca de uma vida melhor. Aprendi a ler catando pedaços de jornal na estrada. Passamos por muitos lugares até chegar a Minas Gerais, há 30 anos”, conta.

Maria de Lourdes relata ter enfrentado muito preconceito por ser nordestina e mulher, mas não se abateu. “Aqui o coronelismo ainda é muito forte. Percebi que só poderia sair dessa situação se lutasse. Comecei a participar de movimentos e hoje sou uma das diretoras do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha”, afirma. “O Governo do Estado tem aberto muitas portas para nós. Já estamos conseguindo introduzir nossa produção, participar de feiras. Agora, as agricultoras sabem que são gente”, completa.

Feira estadual

Uma conquista importante das trabalhadoras do meio rural foi a realização da 1ª Feira Mineira das Mulheres do Campo, que aconteceu no último mês de novembro, em Belo Horizonte. Esta também era uma reivindicação listada no documento entregue ao Governo do Estado. O evento reuniu em torno de 50 empreendimentos rurais, com 100 expositoras de todas as regiões de Minas Gerais.

Para algumas das participantes, a feira foi a primeira oportunidade para comercializar seus produtos “longe de casa”. É caso de Maria de Jesus, de 60 anos, da comunidade de Mulheres Quilombolas Agroextrativistas e Assentadas da Reforma Agrária, localizada em São Romão, no Território Norte.

Maria de Jesus, que é mãe de 12 filhos, conta que, até então, vivia com um salário mínimo, proveniente da aposentadoria. Com o apoio de técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater-MG), ela passou a comercializar produtos agroecológicos do cerrado. “Eu não sabia como começar. Não é fácil, mas quero seguir em frente. Um dia vou realizar meu sonho, que é comprar um carro novo”, diz.

Troca de experiências

Quem também participou da feira foi Vânia Silva, de 43 anos. Formada em Administração de Empresas, ela deixou a agitação da cidade para viver com o companheiro e os três filhos no assentamento Dênis Gonçalves, no município de Goianá, Território Mata. “Eu vivia estressada, não tinha paz. No assentamento, a gente acaba prezando pela tranquilidade e pela proximidade da família”, assinala.

O aprendizado como administradora permitiu que Vânia ajudasse outras mulheres do assentamento a comercializar seus produtos. Lá, ela também dá aulas de Matemática para jovens e adultos.

Outras ações

De acordo com a Seda, dentre as reivindicações que foram atendidas pelo Governo de Minas Gerais também se destaca a criação da Assessoria Institucional de Mulheres, que funciona como um espaço de interlocução permanente entre as trabalhadoras rurais e o Estado.
A autonomia da mulher do campo no acesso à Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP) é outra demanda antiga das trabalhadoras rurais. Trata-se do documento de identificação da agricultura familiar, que funciona como porta de entrada para todos os programas sociais do Governo Federal.

Como a DAP é obtida por propriedade rural que, na maioria das vezes, está registrada em nome do homem, a mulher tem dificuldade de obtenção de crédito agrícola diretamente.

Para mudar este quadro, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável (Cedraf) encaminhou parecer à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), propondo o acesso das mulheres à DAP, incluindo as quilombolas e as agricultoras urbanas.
“Estamos trabalhando com todas as políticas públicas dentro das diversas secretarias para beneficiar as mulheres do campo”, reforça a assessora institucional da Seda, Maria Auxiliadora Gomes

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