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Quinta Feira, 25 de Abril de 2024
São Lourenço
16/12/2017 11h36

A liberdade de expressão contra a liberdade

Por Raphael Silva Fagundes

“Liberdade é a ausência de todo e qualquer constrangimento”.

-George Burdeau

O politicamente incorreto é correto para alguém. É uma máscara, assim como o politicamente correto, que serve para obnubilar as contradições de classes. No entanto, a maior controvérsia do discurso sustentado pelos defensores da ideologia do politicamente incorreto, está no fato de usar a liberdade de expressão como um argumento para combater a liberdade de expressão. Um imbróglio conceitual.

Mobilizam-se para combater exposições artísticas, boicotam Judith Butler, querem proibir o livre pensamento nas escolas, contudo, comemoram quando sai uma liminar da Justiça que suspende a determinação de desclassificar do Enem o candidato que não respeitar os Direitos Humanos. E como justificativa, dizem que é uma questão de liberdade de expressão.

Como explicitou Hannah Arendt uma vez, “não se pode divorciar política da noção de liberdade”. Mas seria interessante (já que política é uma questão de interesse) para quem a liberdade de dizer que se é a favor da tortura, da humilhação, do racismo, da intolerância religiosa? Por que seria interessante cooptar grupos das classes médias e baixas a defenderem tais princípios?

O argumento da liberdade de expressão está sendo usado para apoiar ideias contrárias a liberdade, ao livre trânsito de pessoas independente das suas ideias, cor e crença. Que coisa paradoxal!
Quando um grupo de forma bruta interrompe a palestra de uma professora para defender um regime que proibia a liberdade de expressão usando o argumento da liberdade de expressão (como aconteceu recentemente na UERJ) é porque algo está muito estranho. Em época de crise, a ignorância acaba se tornando útil.

Um grupo de artistas incompetentes, que não são capazes de criar piadas inteligentes, reclamam o politicamente incorreto porque precisam dos estereótipos tradicionais para fazer rir. Até aí, tudo bem. Mas alguns jornalistas defendendo essa ideologia é uma questão curiosa. A lógica é uma prática contextual, ou como prefere o filósofo Stephen Toulmin, “o exercício do julgamento racional é em si atividade que se pratica em contexto particular e é essencialmente dependente dele”. Seriam ideólogos, isto é, os aproveitadores desse momento de crise, lacaios de quem?

Uma artimanha política

A liberdade, como destaca o sociólogo Zygmunt Bauman, é uma relação de poder. Partindo desta perspectiva, é possível observar que determinados grupos que querem tomar o poder, apropriam-se de questões imaginárias para comprovar que estão sendo oprimidos de alguma forma e, desta maneira, vai seduzindo um certo público a defenderem essas ilusões.

Um investimento retórico é realizado por meio de youtubers, frases polêmicas e políticos carrancudos. Um setor da sociedade que quer tomar espaço político para administrar seus interesses econômicos utiliza os meios mais populares para conquistar seu propósito. Configuram-se como vítimas de uma opressão que não tem base nas relações reais de existência, isto é, nem mesmo simbólicas são. São simulacros que não pertencem a nenhuma realidade, apenas ao céu nebuloso da fantasia discursiva. Uma lógica fantasmagórica inventada para atrair seguidores que venerem tal raciocínio fictício. “A lógica é apenas escravidão nos grilhões da linguagem”, dizia Nietzsche.

Daí surge um indivíduo que questiona: “porque eu não posso ser nazista? Eu sou livre para pensar o que quero. Não é isso a liberdade de opinião?” Sem dúvida, a liberdade de expressão não foi criada para tornar as pessoas realmente livres, já que liberdade não se resume apenas ao fato de falar o que pensa. Marx e Engels vão dizer que “as ideias da liberdade de consciência e da liberdade de religião foram apenas a expressão do domínio da livre concorrência no campo do saber”. E se eu ainda estou preso a determinados mecanismos para manter a minha existência física (o trabalho alienado), a liberdade continuará sendo uma ilusão.

A liberdade que essa ideologia do politicamente incorreto reivindica tem uma sede de poder. Não muito diferente do politicamente correto (ideologia defendida por um outro setor da burguesia), não se importa com as contradições reais da sociedade. É uma artimanha política que quer legitimar o poder econômico liberal por um “novo” caminho, já que o politicamente correto vem demonstrando sinais de desgaste. O cenário de um teatro tosco é montado para desviar a nossa atenção das políticas de privatização e precarização da mão de obra.

O que o porte de armas, a moralização da arte, a ideologia de gênero etc. irão trazer de melhorias para vida do trabalhador? O que isso irá interferir na relação capital/trabalho? O PSDB e o DEM defendem o casamento gay, o PSC e o PR são terminantemente contrários, mas os dois defendem o sucateamento da educação, da saúde, as reformas trabalhistas e a privatização das empresas estatais. Ainda existem aqueles que defendem um governo forte para se chegar a um Estado mínimo, mas essa é um “contradição” (entendida aqui como uma confusão proposital, para administrar conceitos em prol de um interesse político) para ser analisada em um outro momento.

As classes dominantes arrumaram um jeito de se manter no poder de uma forma ou de outra para assim alcançar o seu projeto político, já que a política de conciliação de classes implantada pelo PT não as agrada mais. Para perpetuar a exploração é necessário mudar as máscaras e os trajes dos exploradores, criar uma confusão na superestrutura das ideias, levando os explorados a continuarem em suas posições tradicionais.

♦ Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da Uerj e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.

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