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20/07/2017 08h20

A revolução do tempo na Colômbia de Escobar

Enquanto o cinema precisa de algum tempo para refletir sobre o passado histórico, o teatro consegue incorporar no palco acontecimentos ocorridos há poucos meses. Mas o que talvez seja incomum e raro é quando os artistas da cena são obrigados a dar uma pausa para aguardar os desdobramentos de um fato. No caso da Colômbia e do grupo Mapa Teatro, foi nada menos que o tão aguardado acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que paralisou, por um período, a continuidade do trabalho da companhia que apresenta Los Incontados - Un Triptico desta quinta, 20, até domingo, 23, no Sesc Pinheiros.

Fundado em Paris em 1984 e atualmente com sede na Colômbia, o Mapa Teatro quer discutir os tabus locais e se tornou força principal capaz de atravessar o tempo e as formas convencionais de uma obra artística, como conta o cofundador Rolf Abderhalden em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo". "Trabalhamos com a ideia de mapas, que podem ser teatrais, radiofônicos, visuais ou musicais, construídos entre diversas disciplinas do conhecimento, o que também depende do que queremos investigar." Dentro dessas cartografias, as criações do grupo não ficam confinadas em convenções tão restritas e nomeáveis como teatro, artes visuais ou música. Em 2014, por exemplo, o grupo fez uma versão-instalação desse tríptico na 31.ª Bienal de São Paulo.

Até o fim dos anos 1980, o salto entre as primeiras obras ainda na França - marcadas pelo teatro físico e a mímica da escola francesa de Jacques Lecoq - transportou o grupo para formas mais isentas de alegorias como em Horácio (1994), criada no contexto de uma residência com detentos em uma prisão de segurança máxima em Bogotá. "Misturamos atores e não atores, buscando a presença do real para falar do narcotráfico", conta o diretor.

Para abrigar esses trabalhos, nada de salas de espetáculos. Naquela época, Abderhalden lembra, a procura por espaços em ruínas e locais decadentes da cidade era uma predileção da companhia, coisa que hoje "virou uma moda".

Nessa versão do tríptico, que esteve na última semana no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, o grupo retoma a primeira parte, Los Santos Inocentes, sobre uma tradição da cidade de Guapi na qual homens mascarados, vestidos de mulheres e armados com chicotes, agridem as pessoas pelas ruas. A segunda, Discurso de Un Hombre Decente, cria uma carta ficcional inspirada em manuscritos encontrados nos bolsos do narcotraficante Pablo Escobar, no dia em que foi morto, em dezembro de 1993. "São relações de festa e morte, ligadas à violência pública e privada. Coisas que vemos todos os dias no noticiário do mundo", continua o diretor. "O narcotráfico só existe e é global porque há um consumo igualmente global", explica.

Falar disso em cena traz um peso particular para a plateia colombiana e leituras diversas nos países pelos quais o espetáculo já passou. Na montagem, existe um lugar especial com uma ironia tipicamente latina e um apuro cenográfico que ultrapassam a barreira do idioma como linguagem primordial. No diálogo com esse período histórico, as figuras reais reunidas na cena soam como verdadeiros memoriais. Em uma delas, canta o último músico e sobrevivente da banda, que viveu o auge do narcotráfico em Medellín e que foi vítima de um dos atentados na cidade. "Como artista e cidadão, ele guarda o último testemunho daquela época", lembra o diretor.

As crianças no palco também estão em posição semelhante. A delicadeza de suas figuras, ordenadas como músicos de uma bandinha marcial, entra em colisão com a crueza de manchetes mundiais sobre toneladas de droga escondidas em locais inusitados de muitos países, como o Brasil. "Além do tabu, queremos ver o que se esconde por trás na nossa história. As crianças não podem estar apartadas disso. Elas estão no front, são procuradas desde cedo como mão de obra do tráfico."

Até aqui é tudo o que o público poderá acompanhar. A primeira cena da montagem, com as crianças, refere-se à última parte do projeto, interrompido no ano passado pelas negociações de paz entre as Farc e o governo. "Achamos melhor esperar passar tudo isso e acompanhar o que viria a seguir e como os guerrilheiros seriam incorporados na sociedade civil", conta.

Agora, o objetivo é retomar a criação. Para uma companhia com 33 anos de existência e que testemunhou o fim de um conflito armado de 52 anos em seu país, é certo que o tempo está a favor do Mapa Teatro.

LOS INCONTADOS - UN TRIPTICO
Sesc Pinheiros. R. Paes Leme, 195; 3095-9400. 5ª, 6ª, sáb., 20h30, dom., 18h. R$ 40/R$ 20. Até 23/7
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Estadão Conteúdo
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