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15/09/2014 09h50

Versão para cinema de 'Incêndios' concorreu ao Oscar

Há um determinismo do acaso no cinema do canadense Denis Villeneuve. É o diretor que adaptou Incêndios para o cinema. Nada mais aparentemente contraditório do que 'determinismo' e 'acaso'. Mas a verdade é que as coisas mais díspares vão ocorrendo nos filmes dele. Os personagens envolvem-se em situações geradas pelo acaso e aí você vê que existem coincidências nesses acasos que propiciam o determinismo. As coisas teriam de ocorrer.

É um diretor - um autor - obcecado pela ideia de que as aparências enganam, que as coisas e pessoas nunca são exatamente como pensamos. A garota de Redemoinho parece fútil, e talvez seja, mas rapidamente, em questão de dias, tem de decidir se faz um aborto, atropela (e mata) um homem e conhece outro que a leva a repensar sua vida. Os irmãos de Incêndios - um casal - descobrem que a mãe, ao morrer, lhes deixou duas cartas para serem entregues ao pai e ao irmão. Eles foram criados para acreditar que o pai estava morto e nunca souberam das existência desse irmão.

Reagem diferentemente à missão - entregar as cartas. A filha quer cumprir o desejo materno. O filho reluta, teme as consequências que isso poderá acarretar para a irmã e ele. Segue-se uma narrativa em dois tempos. O espectador segue os irmãos no presente e, no passado, descobre quem foi essa mãe e o que fez. O filme foi indicado para o Oscar de melhor produção estrangeira, em língua não inglesa. Representava o Canadá. Como Fernanda Montenegro em Central Station/Central do Brasil, de Walter Salles, Lubna Azabal, que faz o papel, também poderia ter indicada para a estatueta de melhor atriz. Cria uma personagem apaixonada, cheia de nuances. O filme tem um texto forte - adaptado da peça de Wajdi Mouawad -, mas é provável que o espectador que já viu Incêndios na tela descubra outro Incêndios no palco. Não são só as diferenças de tom e mídia. Villeneuve aposta em soluções melodramáticas e folhetinescas para o desfecho do filme.

Talvez tenha sido esse final - de ação? - que lhe tenha aberto as portas de Hollywood. Villeneuve fez, na sequência, Prisoners/Os Suspeitos e O Homem Duplicado, que adaptou do livro de José Saramago. Os Suspeitos mostra Jake Gyllenhaal como policial que tenta localizar duas garotas que foram sequestradas. Hugh Jackman é o pai que, considerando a polícia inoperante, resolve fazer uma caçada por conta própria. Ele libera um lado sombrio de sua personalidade, transgride a lei, faz coisas terríveis. É como se fosse outro homem (um monstro?). Em O Homem Duplicado, Gyllenhaal (de novo) descobre que tem um duplo. Fica obcecado por ele e se envolve em situações rocambolescas que também envolvem vida e morte.

Redemoinho possui uma estética que pode evocar a publicidade. Tudo muito moderno, clean. O Homem Duplicado retoma essa estética e cria um mundo meio desumanizado. Incêndios é de outra natureza. Em busca dessa mãe que lhes escapa, o casal de gêmeos vai para o Oriente Médio, um lugar explosivo.

Ocorrem alguns incêndios, mas o do título refere-se à destruição e redescoberta da mãe. Não é uma jornada de redenção, mas uma viagem que, como teme o filho, leva a descobertas muito duras. Os Suspeitos contrapõe à casa de classe média, que poderia ser clean, a casa em ruínas que abriga a tortura. O próprio Villeneuve, embora talentoso, sugere um homem duplicado, um autor meio esquizofrênico que se divide seguindo as histórias que conta. Um estilista sem estilo, ou à procura de um, como seus personagens em busca de identidade, num jogo de máscaras.

Fonte: Estadão Conteúdo
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