28/06/2022 11h00
Brasil tem menor taxa de homicídios em dez anos, com média de 130 mortes por dia
O Brasil registrou 47.503 homicÃdios ao longo do último ano, o equivalente a 130 mortes por dia, segundo dados divulgados nesta terça-feira, 28, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número representa queda na comparação com 2020 e é o menor registrado desde 2011, quando se inicia a série histórica. Entre os motivos, especialistas apontam uma estabilização de conflitos entre facções criminosas, que na última década avançaram pelo Norte e Nordeste do PaÃs, e a implementação de programas estaduais focalizados em públicos mais jovens.
"As mortes caÃram, o que é boa notÃcia", disse ao Estadão o diretor-presidente do Fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima. "Mas comparando internacionalmente o número ainda é muito alto", ponderou. Segundo ele, os dados divulgados neste ano foram contrapostos aos Ãndices de 102 paÃses, reunidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A comparação, segundo ele, não é positiva. "O Brasil é lÃder na quantidade absoluta de mortes e está entre os dez paÃses mais violentos do planeta", disse Lima. "Quando se olha com zoom, 30 cidades brasileiras têm taxas acima de 100 mortes por 100 mil habitantes", disse ele, reforçando que o Ãndice nesses municÃpios é maior que o de qualquer paÃs no mundo.
Entre as 30 cidades mais violentas do PaÃs, aponta o levantamento, 13 integram a Amazônia Legal e a maior parte delas está situada na região de fronteira. "Existe um processo de migração da violência para a região Norte", explicou Lima. Como causa disso, ele atribui a atuação na região de facções de bases prisionais e de milÃcias, o que teria elevado os Ãndices de violência em Estados como, principalmente, o Amazonas.
O material do Fórum aponta que os registros de homicÃdio caÃram em todas as regiões do PaÃs, exceto na Norte. Nela, foram registrados 6.291 assassinatos no último ano, ante 5.758 em 2020. A maior alta foi no Amazonas, onde as mortes subiram de 1.121 para 1.670. Recentemente, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram mortos em Atalaia do Norte, na fronteira do Estado. O crime chamou atenção para a alta da violência na área.
Os conflitos na Amazônia, explicou Lima, dão continuidade a uma série de disputas entre facções que vêm ocorrendo desde 2017 e que antes resultaram na alta de homicÃdios no Nordeste. Em 2017, o Nordeste chegou a registrar 27.288 homicÃdios. Agora, ainda é a lÃder em registros no PaÃs, mas passa por um processo de estabilização - foram 20.500 ocorrências em 2021.
Neste perÃodo, outras regiões entraram no radar das facções. "Tabatinga (AM) hoje é considerada a segunda principal cidade de tráfico internacional de drogas e armas. Só perde para a rota de Ponta Porã (MS)", destacou Lima. "A rota de Ponta Porã é controlada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), já a de Tabatinga é controlada pelo Comando Vermelho. Mas essas rotas são disputadas."
Os conflitos pelo controle de regiões como essas, explicou, são um dos principais motivos que justificam a alta de mortes em regiões especÃficas do mapa, ao mesmo tempo em que outras localidades parecem sair de foco. "A área de Tabatinga ainda tem toda a interligação com as questões ambientais", diz ele, lembrando que as execuções de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Vale do Javari, foram perto daquela região.
"Mas o tráfico sozinho não explica isso (as variações nos homicÃdios), há outros fatores", disse Lima. Conforme o diretor do Fórum, 23% da tendência observada em 2021 - seja de alta ou de diminuição dos Ãndices de criminalidade - recebeu influência de alterações na estrutura demográfica da população brasileira. "A gente sabe que quem morre mais e mata mais são os jovens", disse o sociólogo. O processo de envelhecimento da população também resvala nos Ãndices de criminalidade.
Lima reforça que as faixas de 10 a 19 anos e de 20 a 29 anos são as que mais influenciam nos indicadores, o que demanda polÃticas públicas focalizadas. "É nesse segmento que a dinâmica da violência letal tem maior peso e, portanto, é nesse segmento que a gente tem que olhar com mais atenção o que está sendo feito", disse.
Nesse contexto, ele reforça que programas especÃficos dos governos estaduais também podem ter influenciado a queda dos homicÃdios, sobretudo para evitar com que jovens sejam cooptados pelo crime organizado. Como exemplo, cita as iniciativas Viva BrasÃlia, no Distrito Federal, e RS Mais Seguro, no Rio Grande do Sul.
"Esses programas, segundo os estudos disponÃveis, funcionam. O problema é que são circunscritos à liderança do gestor daquele momento", ponderou Lima. Como não houve mudança estrutural na área, explicou, iniciativas como essas podem perder impacto, a depender dos planos dos próximos gestores. Já o impacto da pandemia e das medidas de isolamento social em 2020 e no ano passado, segundo os analistas do Fórum, foi maior em crimes patrimoniais ou de oportunidade, como roubos, do que nos assassinatos.
Armamento e assassinatos
Nos últimos anos, relembrou ele, os discursos foram muito pautados pelo armamento da população. A facilitação do acesso à s armas é uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição. Conforme levantamento do Fórum, porém, esse não é um fator que reduz a criminalidade. "A tese do governo seria 'quanto mais armas, menos crimes'. Nos Estados que tiveram maior variação positiva no número de armas em circulação, deveria haver maior queda nos homicÃdios. E não é isso que acontece, a dispersão é muito grande, não existe um padrão."
Conforme Lima, o levantamento mostra que há cerca de 4,4 milhões de armas de fogo em mãos de civis no PaÃs. Dessas, 1,5 milhão estão em circulação irregular, com registros expirados, o que se mostra inclusive como um ponto de preocupação. "Mais de um terço das armas de fogo nas mãos de civis na circulação do PaÃs são armas irregulares, mostrando o grau de descontrole que as armas hoje encontram", apontou. "Falta uma polÃtica de controle e rastreabilidade que, para a segurança pública, seria fundamental."
Letalidade policial
Assim como os homicÃdios, a letalidade policial também teve queda em números absolutos: foi de 6.413, em 2020, para 6.145, no último ano, uma redução de 4,2%. Ainda assim, a fatia ocupada por óbitos desse tipo, que compreendem as mortes decorrentes de intervenções policiais, teve leve aumento. Foi de 12,7% para 12,9% das mortes violentas intencionais, que incluem ainda casos de homicÃdios dolosos (quando há intenção de matar), latrocÃnios (roubo seguido de morte) e lesões corporais seguidas de morte.
Lima reforçou que a queda em números absolutos da letalidade no PaÃs foi puxada por São Paulo, cujas mortes após intervenções policiais caÃram de 814 para 570 em um ano. Na avaliação de Lima, como o programa de câmeras ainda não atingiu o Estado todo, ainda não é possÃvel correlacionar a baixa à adoção da tecnologia, que tem mostrado bons resultados em análises amostrais.
"A câmera é só um instrumento. O que aconteceu em São Paulo, que é mais importante, é uma polÃtica, como a própria PM chama, de compliance e controle. Reforçou a supervisão da atividade policial", explicou o sociólogo. "A polÃcia de São Paulo fez uma decisão de comando de controlar mais a sua tropa na rua, e isso tem esse impacto positivo. A câmera, por exemplo, no Rio de Janeiro ou em outro Estado não necessariamente vai funcionar se não vier junto da supervisão da atividade policial."
Na outra ponta, Lima destacou que o Amapá chamou atenção em termos de letalidade policial. Ao todo, 31,8% dos homicÃdios no Estado foram por letalidade policial neste ano, número que corresponde a mais do que o dobro da média nacional (12,9%). Na região Sudeste, a maior letalidade é no Rio (28,5%).
Fonte: Estadão Conteúdo