06/05/2022 15h10
Correção: País tem 500 mil crianças sem vacina da poliomielite, diz cientista da Fiocruz
A matéria enviada anteriormente informava incorretamente o cargo de Akira Homma na Fiocruz como diretor. Ele é assessor cientÃfico sênior. Segue abaixo, a versão corrigida:
Pelo menos 500 mil crianças no PaÃs não foram vacinadas contra a poliomielite. O número alto de pessoas sem proteção contra a doença levou a Organização Panamericana de Saúde (Opas) a incluir o Brasil na lista dos oito paÃses da América Latina com alto risco de volta da infecção. Nos casos mais graves, a enfermidade pode provocar a paralisia.
De acordo com a Opas, braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) na América Latina, as baixas taxas de vacinação nesses paÃses são um perigo para todo o continente. A região não registra um único caso da doença desde 1994. O Brasil, que já teve uma cobertura de 95% da vacina da pólio, atualmente registra uma das mais baixas de sua história, 67%, segundo o pesquisador Akira Homma, assessor cientÃfico sênior de Biomanguinhos, da Fiocruz. Ele foi um dos responsáveis pela erradicação da doença no PaÃs na década de 1980.
"Temos hoje no PaÃs 500 mil crianças que não foram vacinadas", afirmou Homma, em entrevista ao Estadão. "Esse número é altamente preocupante, sobretudo porque estamos próximos de dois paÃses de altÃssimo risco de infecção, Haiti e BolÃvia."
No Brasil, de acordo com o Programa Nacional de Imunização (PNI), as crianças devem tomar a vacina injetável (de vÃrus inativado), aos dois, quatro e seis meses de idade. Depois, tomam ainda duas doses do imunizante oral (de vÃrus vivo atenuado),a primeira aos 15 meses de idade e outra aos quatro anos. De acordo com as estatÃsticas oficiais, 67% das crianças tomaram as três doses da vacina injetável. A cobertura da vacina oral é ainda mais baixa: 53%.
Isso não significa que metade das crianças está totalmente vulnerável. Mesmo com os dois regimes incompletos, os menores têm algum grau de proteção. Do ponto de vista da saúde coletiva, no entanto, como explicou Homma, o ideal é que todas as crianças estivessem com os dois esquemas completos justamente para impedir a circulação do vÃrus e eventuais mutações.
A vacina injetável da pólio está disponÃvel no Brasil desde 1973. Mas foi só nos anos 80, com a introdução da vacina oral e das campanhas nacionais de vacinação (o Zé Gotinha foi criado nessas ações), que a doença foi finalmente erradicada, em 1989. "TÃnhamos a mobilização de toda a sociedade", lembra Homma. "Chegamos a vacinar em um único dia 18 milhões de crianças."
Em nota, o Ministério da Saúde informou que "monitora atentamente as coberturas vacinais e tem trabalhado para intensificar as estratégias necessárias para reverter o cenário de baixas coberturas". A pasta informou ainda que recomenda aos Estados, municÃpios e Distrito Federal que realizem a busca ativa para imunização e reforça a importância da manutenção das ações de vacinação de rotina. O ministério disse ainda que a divulgação de informações sobre a segurança e efetividade das vacinas como medida de saúde pública também fazem parte de ações realizadas durante todo o ano.
A cobertura vacinal da poliomielite nunca esteve tão baixa?
Infelizmente, a cobertura não só a da poliomielite, mas de todas as vacinas está caindo há uns cinco ou seis anos de forma gradativa e, mais acentuadamente, nos anos da pandemia até pelas próprias recomendações de isolamento social. Mas a verdade é que a cobertura já vinha caindo, não só no Brasil, mas no mundo todo. Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou as baixas coberturas vacinais como um dos dez principais problemas de saúde pública do mundo. A situação é realmente grave e preocupa muito porque vem crescendo o que chamamos de população de suscetÃveis, de pessoas não protegidas. Há quatro semanas, tivemos um caso de pólio no Malawi, que é um paÃs considerado livre da doença. Mais recentemente tivemos outro caso de pólio em Israel, que é um paÃs tradicionalmente de altas coberturas vacinais. Nas duas vezes foram casos importados.
Existe risco real de a pólio voltar ao Brasil?
Sim, a importação da pólio existe e, no Brasil, por conta dessas baixas coberturas vacinais, já somos considerados um paÃs de alto risco para reinfecção, segundo a classificação da Organização Panamericana de Saúde (Opas). Assim como o Brasil, estão nesta classificação Equador, Venezuela, Guatemala, República Dominicana e Suriname, além de outros dois paÃses onde o risco é considerado altÃssimo: Haiti e BolÃvia. Veja que estamos cercados de paÃses com risco de reinfecção, sendo que a pólio foi considerada eliminada em toda a América Latina em 1994.
A pólio ainda é endêmica em algum paÃs?
No Paquistão e no Afeganistão. Mas o problema maior é que existem outros paÃses no Oriente Médio e na Ãfrica onde, por conta da baixa cobertura, estão surgindo casos de pólio com vÃrus vivos atenuados derivados de vacinas.
O senhor poderia explicar como exatamente esse mecanismo funciona?
A vacina Sabin (imunizante oral contra a pólio) é feita de vÃrus vivos atenuados. As crianças que recebem a vacina excretam o vÃrus no meio ambiente. Com a cobertura vacinal muito baixa, esse vÃrus pode começar a circular entre as pessoas não imunizadas. Quanto mais um vÃrus circula, mais mutações ele sofre, podendo se tornar uma nova ameaça, como se fosse um vÃrus selvagem. Se a cobertura vacinal da população fosse de 95% não haveria problema. Mas com as coberturas tão baixas, passa a ser um risco. No caso do Brasil, a cobertura da vacina injetável está em 67%; ou seja, temos mais de 30% de crianças que não tomaram a vacina. São praticamente 500 mil crianças desprotegidas. Por isso a Opas incluiu o Brasil entre os paÃses de alto risco para a volta da pólio. O número é ainda mais preocupante porque estamos próximos de dois paÃses de altÃssimo risco de infecção, Haiti e BolÃvia.
Quais são as razões para essas coberturas tão baixas, na sua análise?
São vários motivos, têm muitos trabalhos publicados. Uma das principais razões é que somos vÃtimas de nosso próprio sucesso. Como não temos mais surtos da doença, a população não vê mais casos, não vê doentes, e as pessoas pensam que não precisam mais se vacinar. Não precisaria se a doença estivesse erradicada completamente no mundo inteiro, mas enquanto houver paÃses com pólio, temos que continuar vacinando as crianças justamente para evitar a entrada do vÃrus selvagem no PaÃs, sobretudo com o alto número de suscetÃveis. Mas acho também que falta informar melhor a população sobre a situação da pólio, convocar as pessoas a se vacinarem, essa informação transparente deixou de existir. Há outros problemas também que a população aponta, como o horário de funcionamento dos postos de saúde que coincidem com os horários do trabalho.
E qual é a solução?
Estamos propondo um projeto de reconquista das altas coberturas vacinais trabalhando na ponta, nos municÃpios, lá onde estão os protagonistas da vacinação. Estamos acompanhando o dia a dia em 41 municÃpios de dois Estados, Amapá e ParaÃba, e a partir dessas observações vamos elaborar um plano de ação especÃfico para cada cidade. A ideia é ampliar para o resto do PaÃs.
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Fonte: Estadão Conteúdo