Era um prédio simples, velho e relativamente pequeno, no qual se situava o antigo Ginásio São Lourenço, onde estudei nos idos de 1959 e no primeiro semestre de 1960.
Foi o ano de 1959 foi um dos anos mais saudosos de minha vida. Estava feliz por conseguir estudar outra vez em minha querida terra.
Frequentemente ouvíamos o barulho dos trens que passavam pela Estação Ferroviária. Por ali morava um colega muito amado e que faleceu há cerca de dez anos, Manuel, futuro padre. Passei anos e anos querendo vê-lo outra vez, sem conseguir. Um dia, estivemos lado a lado num Ciclo de Formação Cristã, no Hotel Eldorado, aonde ele fora dar uma palestra. Só vim a saber que aquele era ele depois que ele voltou para Três Corações. Assim, morreu sem que o reencontrasse.
Da época em que o Ginásio pertencia à família do Doutor Magalhães, guardo ternas e gratas lembranças. Realmente, tanto ele como Dona Magnólia, sua esposa, tinham vocação nata para educar. Lembro-me muito bem dos professores: Mário Junqueira Ferraz, Eustórgenes Barbosa, Noemia Goulart Ferreira e outros, que formavam uma verdadeira seleção de bons mestres. Sô Barbosa contava histórias como ninguém. Segundo elas, tivera todas várias profissões, desde goleiro da Seleção, até policial, advogado e militar. Quando resolvia dar alguma prova-surpresa, mandava que os alunos colocassem como título exercício de verificação de aprendizagem. Não sei se em algum lugar ainda usam este termo diferente.
Francisco Carvalho foi um professor de Português que por aqui passou, muito competente. Tinha uma Escola de Datilografia perto do Hotel Elite, na Rua dos Andradas, onde residia, que frequentei durante 3 meses. No último mês, saí. Era a época em que ia aprender a bater no teclado de cima, onde estão os números. Resultado: até hoje sou um ótimo datilógrafo, digito no computador com uma rapidez incrível. Somente na hora dos números e outros sinais gráficos da quarta linha é que vou devagar e olhando. Bem que o papai dizia:
−Fica, meu filho, termina, pega o seu diploma.
Mas a teimosia de adolescente não quis nem saber. Talvez tivesse saído justamente porque meu pai queria que continuasse...
Certa vez, Sô Francisco resolveu lançar uma nova moda em suas aulas: os alunos que quisessem iriam apresentar dissertações orais para os colegas, sobre assuntos que escolhessem. Isto valeria uma nota e talvez até ficassem livres de uma prova. Imediatamente, dispus-me a falar sobre futebol. Era o assunto que mais dominava, principalmente quando se tratava de Flamengo. Fui bombardeado de perguntas pelos colegas e pelo professor. A todas eu respondia na certeza de estar certo. No final, quando contei que o Flamengo tinha jogado na Grécia um amistoso, naqueles dias, meu mestre quis fazer a última das perguntas, antes de dar o merecido dez que acabei tirando e indagou:
−Como se chama o time com quem o Flamengo fez este amistoso?
E o Filipinho de doze anos:
−Panatinaikos!!!
Fui aplaudido de pé e ele considerou que eu fizera a melhor exposição oral que já tinha ouvido algum aluno fazer.
Naquele ano alguns alunos resolveram fazer uma greve. Cercavam os que pretendiam ir assistir às aulas na ponte da Estação e os impediam de ir, fazendo piquetes. Quanta valentia! Houve dois ou três alunos que furaram a greve. Guardo os nomes deles, mas, principalmente por estarem vivos e circulando por aí, não pretendo entrar em polêmica. Isto não vem ao caso. Além disto, não era minha turma que estava patrocinando a greve. Eu estava no primeiro ano ginasial e os grevistas no quarto.
Nesses tempos, fizeram a primeira tentativa de instituir um transporte coletivo em São Lourenço e os ônibus já eram conhecidos como cata-jeca. Eram de cor predominante vinho. Mas eu sempre ia e voltava a pé. Só me lembro de uma vez em que voltei de ônibus e desci perto da Lusitânia. Subi a Wenceslau para chegar em casa. Era uma tarde chuvosa, não quis ir à escola a pé e nem de bicicleta.
Mamãe esperava-me com um café e aquela rosca, da qual nunca mais pude sentir o sabor, depois que ela se foi. Mesmo sem existir o termo, pegar o cata-jeca já significava um mico sendo pago. Devido ao pouco movimento da época, logo depois os veículos deixariam de circular.
No ano de 1960, o Ginásio passou para a direção de alguém que diziam ser ex-padre, Hypólito Pedrosa, que lá foi residir, assim como anteriormente residira a família do Doutor Magalhães. Só que os tempos mudaram. Hypólito não tinha nenhum espírito de justiça e nem sua esposa que, acredito, ocupava algum cargo na direção. Os alunos viviam reclamando deles. Houve uma ocasião em que estavam discutindo com o proprietário, numa sala de aula e não havia meio dele controlar os jovens. Hypólito, que era alto e gordo, foi chamado então, por D. Lia, sua esposa, com a seguinte frase:
−Hypolitinho, deixa estes hipopótamos, vem tomar a sua laranjada.
(continua)