24/03/2016 10h45
Morador que teve casa destruída nos anos 1980 desistiu de reembolso
O drama que viveu a famÃlia Carrara, dona do sobrado atingido pelo monomotor experimental de Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, no último domingo, 20, já foi vivido pelo educador Inácio Ovigli, de 74 anos, que, em janeiro de 1984, teve a casa atingida por um avião que também havia decolado do Campo de Marte, na zona norte de São Paulo. Na época, sete passageiros morreram e duas funcionárias que trabalhavam na casa dele perderam a vida dias depois do acidente. Assim como os moradores do último domingo, ele não tinha seguro do imóvel e a morosidade para ressarcir os Cr$ 140 mil que investiu no imóvel o fez desistir de receber o dinheiro de volta.
"Me pagaram com muito custo um seguro obrigatório do avião. Não me lembro exatamente o valor, mas na época não dava para comprar metade de um Chevrolet Monza", contou. "Quando me falaram que ia demorar eu me senti enrolado. Eu precisava trabalhar, tinha três filhos para criar, viajava muito pelo Brasil. Consegui me convencer de que foi uma fatalidade", afirmou Ovigli.
O acidente aconteceu na manhã do dia 17 de janeiro. Uma aeronave bimotor decolou da pista à s 10h26 com destino a Porto Velho, capital de Rondônia. O avião ficou no ar por pouco mais de um minuto quando perdeu o controle e atingiu duas casas. Na época, a suspeita era de que havia água no combustÃvel usado para abastecer o bimotor.
No dia acidente, ele estava trabalhando e a famÃlia tinha viajado para o litoral. Ao chegar em casa, encontrou a rua onde morava fechada por viaturas da polÃcia. "Na hora em que o avião caiu, todo mundo bateu nas minhas costas, deixaram cartão e disseram que iam resolver. Como não aceitei as ofertas que a seguradora fez pelo prejuÃzo, acabou indo para a Justiça. Cansei de ir em audiências."
De forma prática, ele solucionou o problema vendendo o terreno onde estava a casa e comprou outra residência, também na zona norte da capital. Antes disso, além do problema para ser ressarcido, ele também precisou conter os vândalos e ladrões que entraram na casa destruÃda para roubar portões, janelas e outras partes da construção. "Tive que manter segurança privada para não roubarem mais coisas."
A reportagem entrou em contato com os advogados das famÃlias Carrara e Agnelli. Aos moradores da casa condenada pela Defesa Civil após o acidente do último domingo, a reportagem perguntou se as vÃtimas vão acionar a Justiça para obter o ressarcimento pelo sobrado, mas não obteve retorno. Já os representantes de Roger Agnelli foram questionados se ajudarão os Carrara. Também não houve resposta.
A casa atingida pelo monomotor do ex-presidente da Vale foi liberada pela Defesa Civil apenas para duas situações: demolição total ou reforma completa. O comandante do órgão, Nilton Persoli, explicou que, para a famÃlia Carrara entrar na Justiça, antes terá de contratar o serviço de engenheiros. "Nós fazemos um laudo para liberação ou interdição do imóvel, não verificamos o dano nas vigas de aço e colunas da construção. O material que produzimos pode entrar no processo judicial, mas as vÃtimas terão que acrescentar dados mais detalhados", explicou.
Passado
Ovigli mudou-se para a casa destruÃda na Rua Genésio Pereira, no Carandiru, no inÃcio dos anos 70. Primeiro, junto com amigos, alugou o imóvel e lá instalaram uma república de universitários. "Os amigos foram se casando, saindo da casa e eu permaneci. Amava o lugar e não passava pela minha cabeça ter de morar em outro lugar." Ele e os colegas contrataram uma empregada para cuidar do local enquanto estavam fora. "Eles saÃram de casa, mas ela ficou. Depois que me casei e comprei o imóvel, a empregada permaneceu."
No ano do acidente o educador tinha acabado de terminar as reformas. Uma das mudanças foi fazer um quarto a mais para a empregada poder morar com a filha. Em 1984, a jovem tinha 18 anos e passava as férias de janeiro com a mãe. No momento do acidente, ela estava dentro de uma piscina infantil de 3 mil litros. "Estava em perÃodo de férias e deixamos ela e a mãe à vontade dentro da casa. Era para aproveitar a piscina mesmo."
A queda do avião deixou as duas gravemente feridas com queimaduras de terceiro grau. Alguns dias depois, ambas morreram na ala de queimados do Hospital Municipal do Tatuapé. "O prejuÃzo da minha casa não foi nada em comparação a isso."
Fonte: Estadão Conteúdo