11/08/2022 07h10
No pico do Jaraguá, Censo dialoga com a história, o presente e o futuro indígenas
Sob vento forte e garoa gelada, uma equipe de 12 funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE) chegou ontem à Aldeia Tekoá Itakupé, aos pés do Pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo, dividida em três carros. A recenseadora Layla Cardoso, de 33 anos, saiu de um deles e, após andar sobre um chão irregular e rodeado por lama, chegou ao centro cultural da aldeia.
Lá, foi recebida pela lÃder indÃgena Tamikuã Txihi, de 38 anos, que usava um cocar e uma calça com estampa do Batman - com cerca de 90 moradores, a aldeia fica a apenas 40 minutos de carro do centro da capital e é ocupada principalmente por representantes dos povos guarani. Foi o pontapé inicial do Censo Demográfico das terras indÃgenas em São Paulo, que também mapeia as lÃnguas e etnias da população originária.
"Estar com representantes do IBGE respondendo a esse questionário, falando do nosso modo de vida, de como nós estamos vivendo e também da nossa luta, é um sÃmbolo de resistência", disse ao Estadão Tamikuã Txihi, uma das três lideranças indÃgenas de Tekoá Itakupé. Ao todo, explica, seis aldeias compõem a região do Jaraguá, tida por historiadores como o local em que se estabeleceu a primeira mina de metais preciosos do PaÃs.
Diante disso, a resposta ao Censo pelos povos indÃgenas que vivem no local, explica Tamikuã, é carregada de simbolismo. "Tempos atrás os povos indÃgenas eram tutelados, tinham sempre o que falar pelos povos indÃgenas. Agora, nós estamos aqui, falando da importância dos povos indÃgenas para que todo mundo veja", destacou. Atualmente, ao menos duas lÃnguas são faladas nas aldeias do Jaraguá: o guarani, principalmente, e o tupi, por algumas famÃlias.
HARMONIA
O artista plástico Daniel Werá Poty, de 37 anos, foi um dos que acompanharam a visita dos recenseadores durante esta quarta. "O censo é importante para a gente compartilhar com a população, com a sociedade, a importância de nós, como comunidade, termos os nossos direitos, buscarmos esse equilÃbrio de viver em harmonia com a natureza, mas não deixando de lado todos os direitos que toda a sociedade tem", disse. Morador de Tekoá Itakupé, ele cobra melhorias de energia elétrica e saneamento básico na região.
As estimativas indicam que cerca de 900 residem nas seis aldeias espalhadas pelo Jaraguá, que são consideradas de fácil acesso pela proximidade das bases do IBGE e pelo diálogo com as lideranças. Nos próximos dias, o Censo da população será destinado não só a lideranças, como a outros moradores da comunidade, a exemplo de Daniel. E avançará por outras aldeias do PaÃs, o que possibilitará a coleta de dados e, posteriormente, o planejamento de polÃticas públicas.
Conforme Luciano Duarte, responsável pelo projeto técnico do Censo Demográfico, os questionários direcionados à população indÃgena têm algumas melhorias neste ano. O objetivo é abarcar as diversidades encontradas nas aldeias pelo PaÃs. "A gente tem um questionário para as lideranças, buscando entender algumas caracterÃsticas de cada aldeia, de cada comunidade indÃgena", explicou ele, referindo-se à s perguntas direcionadas a Tamikuã nesta quarta.
"E temos algumas perguntas no questionário que são especÃficas para as pessoas que se declaram indÃgenas ou aquelas que residem dentro de área indÃgena", continuou ele. Neste último caso, todas as pessoas que moram em comunidades indÃgenas e/ou se autodeclaram como indÃgenas são afetadas. "Além das perguntas estruturais dos questionários, que são sexo, idade e caracterÃsticas básicas, a gente tem essas perguntas especÃficas, que abordam lÃngua falada e a etnia dessas populações", disse Duarte. Nesse caso, uma das novidades deste ano é que os respondentes indÃgenas podem assinalar até três opções de lÃngua falada. "É um detalhamento mais rebuscado em relação ao que foi feito no Censo de 2010."
APRIMORAMENTO
Para possibilitar essa abordagem, o responsável técnico pelo Censo do IBGE explica que, além de estudos sobre as comunidades indÃgenas conduzidos de forma prévia, neste ano cerca de 10% dos cerca de 183 mil recenseadores passaram por um dia inteiro de treinamentos especÃficos.
Na edição de 2010, isso não ocorreu - foi divulgada apenas uma cartilha para abordagem dos povos originários. Também não foi feita distinção de comunidades quilombolas, outra novidade para este ano. "É um momento simbólico, importante para a construção da realidade dessa população no PaÃs."
Segundo a geógrafa Daiane Ciriáco, que faz parte do grupo de trabalho de povos e comunidades tradicionais do IBGE, um ponto importante é que no Censo destinado à população indÃgena neste ano há adaptações importantes na forma como as perguntas são feitas. Como exemplo, cita a adaptação do conceito de domicÃlio. "A diversidade dos grupos indÃgenas é muito grande e o conceito de domicÃlio do IBGE é que deve ter parede, por exemplo. Dentro de terras indÃgenas, isso pode não fazer sentido." Outra diferença está na pergunta de religião. "Em outros lugares, é "Qual é sua religião ou culto?". Nas áreas indÃgenas, é: "Qual é o seu culto, ritual indÃgena ou religião?".
DIMENSÃO
O IBGE estima que no Brasil existiam 7.103 localidades indÃgenas e 5.972 localidades quilombolas, de acordo com projeção feita a partir do Censo 2010. O levantamento mostra também que, do último censo até as estimativas mais recentes, de 2019, o número de localidades indÃgenas deu um salto de 1.856 para 7.103.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo