09/03/2022 18h10
'Para salvar a Amazônia temos que zerar o desmatamento', afirma Carlos Nobre
Para o climatologista Carlos Nobre, que há tempo muito alerta para o risco de savanização da Floresta Amazônia, o estudo publicado na revista Nature Climate Change na segunda-feira, 7, é mais uma mostra do que suas pesquisas já mostraram. De acordo com o estudo, o bioma tem apresentado uma recuperação mais lenta de longos perÃodos de estiagem nas últimas duas décadas, danificando seu ecossistema e chegando mais perto de um possÃvel "ponto de inflexão".
Os pesquisadores analisaram dados de satélites dos últimos 20 anos e concluÃram que o bioma está perdendo a capacidade de retornar a um estado saudável após choques, como secas e incêndios. Se os resultados não chegam a surpreender Nobre, seus efeitos tampouco serão surpresas, mas nem por isso menos impactantes para vida na Terra. O climatologista diz não ver tendências de mudanças nesse caminho, mas espera que o tema seja debatido seriamente pelos candidatos a presidente neste ano. Confira abaixo a entrevista:
O que esse novo estudo revela comprova o que o senhor vem alertando nos últimos anos?
Essa pesquisa avaliou o aumento do desmatamento e da seca e percebeu que esses fatores estão correlacionados com o Ãndice de resiliência da floresta, o quão saudável ela é. Os pesquisadores perceberam que esse Ãndice diminuiu nos últimos 20 anos. Foram três mega-secas no perÃodo estudado: 2005, 2010 e 2015-2016. E duas mega-inundações: 2009 e 2012. Se o sistema da floresta fosse naturalmente resiliente, você teria uma inundação e depois uma seca, e ela iria se mantendo, ou seja, seria naturalmente resiliente. O que esses estudos mostram é que a floresta não consegue se recuperar.
Quais as consequências desse processo?
A floresta perde mais água na estação seca do que na estação chuvosa. Muitas árvores têm raÃzes profundas, acessam a água que caiu na estação chuvosa e trazem essa água para a transpiração e conseguem manter a floresta úmida o ano inteiro. Então a floresta é muito saudável o ano inteiro. Esse estudo mostra que essa ação de secas mais intensas, diminuição das chuvas e desmatamentos diminui a resiliência. O dado novo é que mais de 75% da floresta teve queda na resiliência. Só no Oeste e Noroeste da floresta ela se mantém mais resiliente porque chove mais o ano todo. É um estudo muito importante e muito preocupante.
Em que ponto estamos nesse processo?
Eu fiz estudos que mostram que estamos muito próximos desse tipping point. A floresta está se aproximando desse ponto. Grande parte da Amazônia, Sul, Centro e Leste, está mostrando isso que pode se tornar um ecossistema degradado, com pouquÃssima cobertura de árvores de grande porte e em que a vegetação é substituÃda por gramÃneas, arbustos e vegetação de pequeno porte. São muitos estudos mostrando isso. De fato, o Sul da Amazônia inteirinho, até a BolÃvia, cerca de 2 milhões de km² , a estação seca já ficou de 3 a 4 semanas mais longas desde 1980. Quando eu vi esses resultados, lá em 2014, fiquei muito preocupado, porque se a estação seca chegar a 5 meses não tem mais floresta amazônica, ela se transforma em um bioma com 70% coberta por gramÃneas e arbustos. Vai sobrar só algumas espécies mais resistentes. É uma vegetação que vai perder pelo menos dois terços do carbono, a imensa biodiversidade. Mesmo que esse estudo não tivesse sido feito, só o aumento da estação seca já estava chamando nossa atenção. Nessa tendência de uma semana a mais seca por década, entre 30 e 40 anos já chegava a cinco meses no Sul da Amazônia e a floresta já não conseguiria sobreviver. Estudo da Luciana Gatti, do Inpe, já mostrou que o Sul de Sudeste da Amazônia a floresta já virou uma fonte de emissão de carbono. Não são as queimadas, mas a floresta.
Quais são as outras mudanças já vistas no bioma?
Temos dito há muitos anos que para salvar a Amazônia temos que zerar o desmatamento, zerar a degradação e o fogo. Antigamente o fogo não penetrava na floresta porque ela é muita densa. Quando havia uma descarga elétrica, ela causava um incêndio pequeno que não se propagava porque era muito úmido o solo e a vegetação. A floresta evoluiu por milhões de anos dessa maneira. Hoje, com a degradação, 95% a 98% dos incêndios que ocorrem na Amazônia são causados pelo homem. Antes, os incêndios que se propagavam por metros e agora se propagam até por quilômetros. E um a dois anos depois do fogo aumenta demais a mortalidade de árvores.
Quais as consequências para o resto do Brasil?
Entre 30 a 50 anos podemos perder entre 50% e 70% da floresta e isso emitiria, no mÃnimo, 300 bilhões de gás carbônico para a atmosfera, tornando impossÃvel atender à s metas do Acordo de Paris. Com sorte não ficamos abaixo de 2º, 2,3º, ou 2,7º. TerÃamos uma extinção em massa da biodiversidade, microorganismos que vivem em equilÃbrio na floresta e começam a migrar e podem causar pandemias, esse é mais um enorme risco. (Com menor cobertura vegetal) teremos menos vapor de água sobre a floresta, portanto o fluxo que sai da Amazônia e alimenta o sistema de chuvas no Pantanal, Sudeste, Uruguai, Paraguai será afetado. O aumento das temperaturas máximas será entre 2º e 3 º sobre a Amazônia, com isso o vento que vai chegar no Cerrado também vai chegar mais quente com efeitos sobre a produção agrÃcola.
Algo faz o senhor pensar que possamos mudar esse caminho?
Se a gente olhar as tendências polÃticas é muito difÃcil (no Brasil e nos paÃses vizinhos). O desmatamento explodiu no Brasil nos últimos anos.
O senhor acredita que a degradação da floresta será um tema realmente importante na disputa pela Presidência neste ano?
Diferentemente de 2018, em que não foi debatido, todos os candidatos têm que trazer esse tema à tona porque é de importância mundial. Tenho certeza que todos os candidatos, pelo menos os sérios, vão trazer à tona. É muito bom que o assunto seja debatido nos paÃses amazônicos, principalmente Brasil e Colômbia que terão eleições neste ano.
Fonte: Estadão Conteúdo