02/03/2022 18h30
PMs matam 3 jovens negros em bairro histórico de Salvador; protestos se espalham
Alexandre dos Santos, 20, Cleberson Guimarães e Patrick Sapucaia, 16, foram mortos na madrugada de terça-feira, 1º, durante ação policial na Gamboa, bairro histórico de Salvador, à s margens da baÃa de Todos-os-Santos. Em um vÃdeo divulgado por testemunhas, é possÃvel escutar gritos de pessoas que acompanhavam a abordagem. Uma delas diz: "Assassinos, vocês estão errados". Segundo a PolÃcia Militar, houve troca de disparos com os três jovens. No entanto, as imagens registradas confrontam a versão da PM. Na gravação, ouve-se apenas dois tiros que, conforme a população local, executaram os rapazes.
A pessoa que filma está em um prédio e só pausa o vÃdeo após os disparos. Pessoas entrevistadas pela reportagem do Estadão - que decidiram preservar a identidade -, afirmaram que os policiais chegaram na Gamboa por volta das 2h da manhã lançando bombas de gás lacrimogêneo em direção ao trio. Todos estavam bebendo em um bar. Os soldados retiraram os jovens do local e os levaram para um imóvel abandonado. Conforme depoimento das fontes, foi neste momento que os rapazes foram baleados.
Quando a notÃcia da morte do trio se espalhou pelo bairro, a população local colocou fogo em entulhos na via pública. Os jovens foram encaminhados pelos próprios policiais para o Hospital Geral do Estado, mas não resistiram aos ferimentos.
A polÃcia declarou que foram encontradas três armas de fogo, além de drogas com os jovens. Ao ser questionada sobre a troca de tiros, a PM afirmou que a equipe de Rondas Especiais foi acionada após receber uma denúncia de que teriam homens armados na Gamboa. "Infelizmente ao chegar as guarnições foram enfrentadas com resistência", alegou o Tenente Coronel Roberto Araújo em entrevista à TV Bahia. Porém, essa versão também é contestada pelas testemunhas.
"O que aconteceu aqui foi um chacina", destaca Marcos Rezende, morador da comunidade do Solar da Unhão e ativista fundador do Coletivo de Entidades Negras (CEN). Abalado, na tarde desta quarta-feira, 2, Marcos acompanhou o velório de um dos rapazes assassinados. Ele conta o que escutou da mãe de Alexandre dos Santos. "Ela viu o filho gritando socorro, ouviu os tiros e saiu de casa atrás dele". Enquanto isso, segundo o ativista, a polÃcia colocou Alexandre ensaguentado em lençóis que estavam secando em frente a casa de algumas pessoas. "A mãe pediu para a polÃcia entregar o filho. Eles não deixaram ela pegar e ainda apontaram uma arma para ela", relata.
Alexandre era um dos oitos filhos da auxiliar de vendas Silvana dos Santos, 41. "Ela viu o filho com seis buracos de tiros nas costas".
Com outras entidades, Marcos pretende ampliar o debate sobre a segurança pública na Bahia. "Entendo que tem vários policiais que merecem respeito, porque tem dignidade com o trabalho. Então, a gente não quer fazer um debate leviano e medÃocre" e acrescenta "mas queremos que os policiais que fizeram isso sejam punidos." De viagem marcada para os Estados Unidos, o ativista vai apresentar uma denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA).
LINHA DE FRENTE
Durante a manhã de terça-feira, 1, moradores da Gamboa se reuniram na Avenida Lafayete Coutinho para protestar pela morte dos jovens. Os manifestantes bloquearam a via pública e clamaram pelo fim da violência na região. Ao longo do dia, as homenagens continuaram. Em uma festa no Museu de Arte Moderna da Bahia - espaço próximo ao local dos assassinatos -, o músico Gerônimo prestou solidariedade as mães dos três rapazes que perderam a vida.
De acordo com a PolÃcia Militar, o caso se encontra em estágio preliminar de apuração pela Corregedoria.
Em nota divulgada nas redes sociais, mais de 20 movimentos da Bahia assinaram um manifesto compartilhado pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN) para repudiar a ação da PM. No documento, eles afirmam que os moradores das comunidades da Gamboa e do Solar da Unhão são "alvos da violência contra corpos negros e das incessantes ações de extermÃnio que vitimizam a população negra das periferias soteropolitanas". Leia abaixo a nota na Ãntegra:
COM A PALAVRA, O COLETIVO DE ENTIDADES NEGRAS
"O Coletivo de Entidades Negras (CEN) vem a público manifestar o mais amplo repúdio à s ações da PolÃcia Militar do Estado da Bahia nas comunidades periféricas, desta vez com especial atenção voltada para as comunidades da Gamboa e do Solar do Unhão, localizadas ambas à s margens da Avenida Contorno, e que são alvo da violência contra corpos negros e das incessantes ações de extermÃnio que vitimizam a população negra das periferias soteropolitanas.
No dia 27/02, polÃcias armados, em plena luz do dia, agrediram um jovem negro, na entrada da Comunidade Solar do Unhão, durante o exercÃcio do seu ofÃcio enquanto guardador de veÃculos, desempenhado ao lado de outros moradores locais. Na madrugada de 28/02 para 01/03, a mesma PolÃcia Militar do Estado da Bahia, realizou a "Operação Força Total", que segundo o Comandante Geral apreendeu diversas armas, mas que teve como "efeito colateral" (palavras do Comandante) o extermÃnio a sangue frio de 3 jovens negros da Comunidade da Gamboa, sem que estes pudessem reagir.
Mais uma vez, famÃlias foram destruÃdas pelas balas da PM baiana. Mães sofrem desesperadas com a perda dos seus filhos, como são capazes de mostrar imagens do protesto ocorrido após a operação. Até quando choraremos sobre o sangue dos nossos jovens negros periféricos? Até quando a morte da juventude negra periférica será tratada pelo Governo da Bahia como efeito colateral?
A PolÃcia Militar do Estado da Bahia institucionalizou a pena de morte à revelia do ordenamento legal. Essa pena de morte tem validade tão somente para pessoas negras das comunidades periféricas baianas. Trata-se do braço armado do Estado a serviço da higienização étnica da sociedade baiana, que continua a se valer dos privilégio da Casa Grande e da manutenção das relações coloniais em um estado que possui mais de 80% da sua população formada por negros e negras.
Em regra, também são negros e negras que vestem a farda da PolÃcia Militar do Estado da Bahia e que, investidos da função de policiais militares, esquecem as suas origens e vÃnculos ancestrais para agir como capitães do mato a serviço de um projeto de elite, burguês, que quer fazer as nossas história e ancestralidade escorrerem em poças de sangue. Estes são policiais (de)formados para matar seus iguais e apagar das próprias memórias os seus locais de origem, ou ainda para onde retornam todos os dias após se despir da farda, as periferias da cidade.
Nesta oportunidade, cobramos do Governador do Estado da Bahia, que silencia as mortes de negros e negras das periferias baianas em nome da boa relação com um projeto genocida, a imediata investigação e punição dos(as) polÃcias militares envolvidos nestas ações.
Não aceitaremos, sem reações sociais e polÃticas, sem denúncias Internacionais, que vidas nossas sejam tiradas como se fôssemos animais à espera do abate. Acionaremos os organismos de Direitos Humanos globais e regionais das Américas para denunciar o Estado da Bahia, como fizemos em outros casos de violações graves, a exemplo da violência sofrida por religiões de matriz africana. Estamos dispostos a expor o Estado da Bahia em tribunais internacionais pela sua prática fascista e persecutória contra os negros das favelas!
Toda ação policial que tenha a morte como resultado, seja de um civil ou de um militar, é uma ação mal sucedida, o que faz da PolÃcia Militar do Estado da Bahia um exemplo de fracasso, ineficiência e imprecisão técnica. Continuaremos sem nos calar jamais ao extermÃnio das vidas negras! Continuaremos nas frentes de batalha pela vida do nosso povo.
Convocamos as entidades do movimento negro baiano e toda a sua militância para que seja organizado ato de repúdio contra o extermÃnio das vidas negras. A reunião de organização será realizada no dia 03/03, 10 horas, na sede do Coletivo de Entidades Negras - Rua das Laranjeiras, n° 25, Pelourinho, Salvador/BA."
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA DA BAHIA
A reportagem do Estadão entrou em contato com a assessoria da SSP-BA, mas a comunicação da pasta informou que a secretaria não iria se manifestar a respeito do caso. Segundo a assessoria, eles estão "acompanhando a investigação da Corregedoria da PM".
COM A PALAVRA, A POLÃCIA MILITAR DA BAHIA
"Guarnições da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/ Rondesp BTS foram acionadas com informações sobre a presença de homens armados na Avenida Lafayete Coutinho, localidade entre a Avenida Contorno e a Gamboa, na madrugada desta terça-feira (1).
Conforme informação do comando da unidade, os policiais militares foram recebidos a tiros por um grupo quando faziam incursões na região, dando inÃcio a troca de tiros. Após o revide e posterior progressão no terreno, as equipes encontraram três homens caÃdos ao solo em posse de armas de fogo e drogas. Já os outros suspeitos conseguiram fugir. Os feridos foram socorridos pela guarnição para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde não resistiram.
Durante a prestação de socorro, manifestantes jogaram entulhos, obstruÃram a pista em ambos sentidos e hostilizaram as guarnições. O policiamento foi reforçado na região com o apoio de outras unidades.
Foram apreendidos no local em posse dos três suspeitos um revólver calibre 38; duas pistolas, sendo uma de calibre .40 e outra de calibre 380; 177 papelotes de maconha; 233 pinos e dez embalagens de cocaÃna; 130 pedras de crack; três aparelhos celulares; uma balança eletrônica, R$ 172,00 em espécie e um relógio de pulso. A ocorrência foi registrada na Corregedoria Geral da PMBA.
O policiamento permanece reforçado na região da Gamboa, onde se encontra instalada uma Base Móvel de Segurança com a finalidade de manter a continuidade da salvaguarda da comunidade local e bem como das pessoas que transitam pela região."
COM A PALAVRA, O GOVERNADOR RUI COSTA
"A Secretaria de Comunicacão da Bahia afirma que o Governo do Estado repudia, veementemente, a afirmação leviana e irresponsável a respeito de conivência com qualquer projeto genocida. A orientação do governo passada a todas as forças de segurança é que a polÃcia exerça suas funções rigorosamente dentro da lei e em defesa da sociedade. Qualquer tipo de conduta ilegal é condenado e todas as denúncias são devidamente apuradas."C
Fonte: Estadão Conteúdo