24/03/2016 16h48
Vírus da zika chegou ao Brasil na Copa das Confederações de 2013, aponta estudo
A zika não chegou ao Brasil na Copa do Mundo de 2014, nem em uma competição de canoagem realizada no Rio de Janeiro em agosto daquele ano, como se pensava. O vÃrus veio de avião e desembarcou em solo brasileiro em algum momento entre maio e dezembro de 2013 - possivelmente durante a Copa das Confederações -, segundo um novo estudo publicado nesta quinta, 24, na revista Science.
Para chegar a essa conclusão, um grupo de cientistas do Brasil, dos Estados Unidos e da Inglaterra comparou sete sequenciamentos do genoma do vÃrus circulante no Brasil, a partir de amostras de diferentes perfis. Conforme mostrou o jornal O Estado de S.Paulo em reportagem publicada no domingo, 20, a comunidade cientÃfica internacional está organizando uma força-tarefa para obter o maior número possÃvel de sequenciamentos do genoma vÃrus zika a partir de amostras variadas. A nova pesquisa é o primeiro resultado desse esforço coletivo global.
O grupo, liderado pelo virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, analisou amostras coletadas, em diferentes Estados, de pacientes com diferentes quadros clÃnicos de zika: quatro pacientes que foram infectados sem maiores consequências, um paciente que recebeu sangue contaminado em uma transfusão, um caso de morte de um paciente com lupus e um bebê que nasceu com microcefalia e malformações congênitas.
De acordo com Vasconcelos, foi encontrada pouquÃssima variabilidade genética entre essas várias cepas. "Isso indica que o zika foi trazido ao Brasil em uma única leva. É fortemente provável que o vÃrus tenha chegado ao Brasil durante a Copa das Confederações, que aconteceu entre junho e julho de 2013. Esse perÃodo se encaixa no intervalo de confiança determinado por nossos resultados, além de coincidir com o auge da epidemia na Polinésia Francesa", disse Vasconcelos ao Estado.
Os dados filogenéticos obtidos pelo grupo de cientistas foram cruzados com dados epidemiológicos e com informações de viagens a partir de paÃses que tiveram surtos a partir de 2012. Com isso, os pesquisadores constataram que a chegada do vÃrus coincidiu com um aumento de mais de 50% nas viagens feitas dos focos de epidemias para o Brasil, saltando de 3.775 por mês no começo de 2013 para 5.754 um ano depois.
"O aumento de viajantes daquela área foi muito considerável, principalmente porque a Copa das Confederações teve a participação da seleção do Taiti, que fica na Polinésia Francesa, que atraiu turistas daquela área. O time jogou em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em Recife. Coincidentemente, foi em Recife que tivemos o maior número de casos de zika e também de microcefalia", afirmou Vasconcelos.
Embora tenha chegado ao Brasil entre maio e dezembro de 2013, casos de zika só foram detectados no PaÃs a partir de maio de 2015. Para Vasconcelos, a demora para a detecção provavelmente foi decorente de diagnósticos errados.
"Para entender essa demora basta lembrar que a dengue a chikungunya têm um quadro clÃnico muito parecido com o da zika e a maior parte dos pacientes não fazem exames. Por mais de um ano, a zika deve ter avançado por vários estados enquanto era diagnosticada clinicamente como dengue ou chikungunya", declarou.
Segundo o cientista, o vÃrus circulante no Brasil é geneticamente idêntico ao que causou epidemias nas ilhas do PacÃfico em 2013 e 2014. Para Vasconcelos, não restam dúvidas de que o zika veio para o território brasileiro a partir da Polinésia Francesa - único outro paÃs onde foi registrado aumento dos casos de microcefalia.
"A genética do vÃrus, a coerência temporal da dispersão pelas ilhas do PacÃfico, do evento esportivo e do aumento do fluxo aéreo são fatores que, somados, dão uma força muito grande aos achados. Não se trata mais apenas de uma hipótese", disse Vasconcelos.
Embora tenha desvendado a trajetória do vÃrus no espaço e no tempo, o estudo ainda não estabeleceu a relação causal entre a zika e a microcefalia. A análise do genoma do vÃrus extraÃdo do bebê com microcefalia revelou oito mudanças em aminoácidos que compõem o código genético viral. Mas essas mutações são "sinônimas", isto é, não alteram a estrutura das proteÃnas responsáveis pela patogenia do vÃrus.
"Para confirmar se essas mutações têm relação com a ocorrência de casos de microcefalia será preciso fazer estudos em modelos experimentais, comparando o genoma de uma cepa que tenha essas mutações a outra que não as tenha", explicou Vasconcelos.
Segundo o cientista, o estudo tem limitações por comparar apenas sete sequenciamentos. "Ainda temos poucas amostras. Com elas, conseguimos desvendar a origem e o perÃodo de introdução do vÃrus. Mas todos os sequenciamentos estão disponÃveis para estudos de outros pesquisadores, que poderão estudar se as mutações descobertas são suficientes para causar os problemas de má formação congênica", afirmou.
De acordo com Vasconcelos, quanto mais cepas variadas do zika forem sequenciadas, melhor será a compreensão sobre a virulência do vÃrus. "Os dados genômicos também abrem perspectivas para o desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, para a modelagem de novas drogas e para a produção de vacinas."
Fonte: Estadão Conteúdo