
Na década de 50 era moda fazer coleção de flâmulas. De todas as cores, tipos e tamanhos. Havia flâmulas de propaganda de casas comerciais, de times de futebol, de olimpíadas e outras.
Eu dividia um quarto com meu irmão, na casa dos fundos da loja de meu pai. Nas paredes, a coleção de flâmulas. Havia uma verde, a mais bela de todas, que homenageava a seleção brasileira de futebol, campeã mundial na Suécia, em 1958.
Nunca fui uma pessoa muito otimista, especialmente no que diz respeito a jogos e decisões de que o meu Flamengo participa. Nunca gostei de comemorações antecipadas, talvez traumatizado pelas histórias dos acontecimentos da Copa do Mundo de 1950, que perdemos em pleno Maracanã.
No ano de 1964, parece que fugi um pouco à minha maneira de ser.
Em 1963, o Flamengo havia sido campeão carioca, depois de 8 anos, num Fla Flu que entrou para a história como o jogo de maior público no referido estádio, em campeonatos cariocas.
Em 1964 com a dupla Carlinhos e Nelsinho (em 2000 foram técnico e auxiliar do rubro-negro) comandando o meio campo, estávamos com um time razoável e próximos de chegar ao bicampeonato com que tanto sonhei naquele ano. Afinal, nunca tinha visto meu time bicampeão.
Cheguei a ensaiar uma musiqueta no violão que havia lá em casa onde cantava mais ou menos o seguinte:
−Até que enfim, até que enfim, o Flamengo vai ser bicampeão.
Treze de dezembro, domingo, eu já estava de férias há alguns dias, mas resolvera continuar no Rio, para acompanhar ao vivo a grande decisão. Não poderia perder aquele acontecimento. Bastava um empate com o Botafogo, que já estava fora do páreo para que nos sagrássemos os grandes campeões do ano. Caso perdêssemos, iriam decidir o título Fluminense e Bangu.
Naquela tarde cinzenta que terminou em chuva por dentro e por fora, as festas eram imensas antes do jogo. Realmente estávamos comemorando o título por antecipação. Tanto a torcida, quanto os jogadores. Lembro-me que soltaram um urubu, símbolo do rubro-negro, com uma flâmula onde se Lia: “Flamengo, bicampeão carioca, 63/64” , amarrada em seus pés. E o urubu, ave de mau agouro, saiu voando com aquele sinal do otimismo exagerado. Assim, centenas de flâmulas e bandeiras estavam no estádio, antes do jogo.
De repente, a torcida do Flamengo calou-se daquela festa toda. O Botafogo fizera 1 a 0 sem ninguém esperar. E o placar ficou assim até o final.
Terminara meu sonho de conquistar mais aquele título.
Triste, regressei ao apartamento em Botafogo, debaixo de um dos maiores dilúvios da história do Rio. Eu chorava e a cidade também. O Rio que pretendia vestir-se de vermelho e preto derramava as lágrimas junto com os torcedores.
Quando cheguei em casa, procurei uma bebida qualquer que fizesse com que eu esquecesse aquela grande tristeza. Enchi a cara.
Inspirado numa inscrição no túmulo do cantor Francisco Alves, no cemitério de São João Batista, naqueles dias e diante de tamanha tragédia decretei um tríduo de luto oficial em meu diário e nas três páginas, de 13, 14 e 15 de dezembro de 1964, escrevi apenas o seguinte:
-−Só tu, página em branco, sentirás toda a agonia, de meu silêncio neste espaço...
Pouco depois, assistindo a um programa esportivo na extinta TV Continental, tipo mesa-redonda, vejo os cronistas criticando o otimismo exagerado dos flamenguistas. E, de repente, aparece o urubu sendo solto e logo depois, uma daquelas milhares de flâmulas, em “close”, toda rasgada.
A partir daí, em nenhuma decisão, nem do Flamengo e nem da seleção brasileira, consegui − e nem quis − ser otimista. Prefiro esperar para curtir depois.
Nos momentos de frustração, posteriores, em minha vida, sempre vem-me à mente, de soslaio, a flâmula do bi, rasgada.
por Filipe Gannam