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Opinião
24/02/2011 11h49

Opinião Rio, primeira vez!

Opinião: Rio, primeira vez!

Foi cantado em verso e prosa, durante muitos anos por minha mãe ― e até o final de seus dias ― o dia 29 de maio de 1951.

 

Naquela terça-feira um de seus sonhos realizou-se. Conseguira levar os quatro filhos menores, dos seis que tinha até então, acompanhados por uma babá, de nome Rosalina, e pelo papai, para o Rio de Janeiro. Praticamente nós não conhecíamos minha avó e meus tios maternos lá residentes. Apesar de estar casada há onze anos ela nunca conseguira realizar seu desejo. E eu, até então, só tinha ido até lá para ser batizado, quatro anos antes. 

 

Minhas duas irmãs mais velhas foram deixadas internas no Colégio Santa Úrsula. Não poderiam perder quarenta dias de aula e eram as únicas que já  estudavam.

 

Com ansiedade aguardamos aquele dia! Ao deixarmos nossa casa, papai preocupou-se em empurrar móveis para serem colocados junto às portas como mais uma proteção.

 

O ônibus saía do Cassino Brasil, mas não me lembro  como chegamos até lá. Provavelmente no Chevrolet bege do Custódio Granja, que fazia ponto em frente ao Hotel Metrópole. Era o motorista que papai mais chamava quando queria um táxi. Naquele tempo era uma festa andar de carro. Usávamos chamá-los de automóveis. Mais uma alegria, a criançada toda de táxi. A empresa rodoviária acredito que era a EVA  (Empresa de Viação Automobilística) e seus veículos de uma cor onde predominava o amarelo.

 

Viajamos nos assentos de trás, na parte então chamada de cozinha, onde se sentavam cinco passageiros, com a babá. Minhas irmãs menores usavam um macacão de lã, cor-de-maravilha. Durante toda a viagem fomos elogiados pelos outros passageiros, que diziam nunca haver visto crianças tão bem comportadas. Era uma viagem difícil, sem asfalto até a Dutra. A poeira nos sufocava. Não havia ar condicionado e nem ventilação. Ou engolíamos poeira até lá ou então aguentávamos viajar sem respirar direito e com alguma sobra de poeira. Mesmo com a maioria dos vidros fechados, sempre havia pessoas que preferiam o pó a ficarem sufocadas pela falta de ar.

 

Gosto não se discute. Lembro-me de que em determinado trecho, talvez em Resende, papai mostrou-nos um aeroporto, que foi o primeiro que vi. Mal podia imaginar que algumas décadas depois eu teria um desejo até hoje não realizado de viver num aeroporto ou ser um piloto de avião. Se pudesse, passaria a vida dentro de uma aeronave. Parece que quando lá estamos, todos os problemas e aborrecimentos ficam em terra. Pena que chegue a hora da aterrissagem. Mal sabia, também, que, na saudosa Resende, teria início, 23 anos depois, minha vida de consultório. 

 

A chegada do ônibus era na Praça Mauá. Tia Amélia, cunhada de minha mãe (irmã do falecido jornalista David Nasser), estava à nossa espera, para irmos até Copacabana, onde vivia minha avó. Amélia foi uma das pessoas mais amorosas que tive oportunidade de conhecer e guardo ternas saudades dela e de seu carinho nas poucas vezes em que nos encontramos. Suas filhas, uma das quais nos deixou em agosto de 2000, herdaram dela estas qualidades. No apartamento da Miguel Lemos, ela se encarregou de dar banho em todas as crianças. Deviam estar bem sujas e maltratadas, depois daquela viagem com duração aproximada de 12 horas. 

 

Foram dias de alegria, convivendo com pessoas que ainda não conhecíamos, sendo mimados pelos tios e pela avó. Conheci as praias, indo até alguma delas com minha tia, Helena. Ela tomou-me e a meu irmão pelas mãos e levou-nos. Tio Alberto, ainda solteiro, chegava sempre do trabalho com algum brinquedinho e falava:

 

― Comam tudo que depois eu dou o presente que trouxe.

 

Recordo-me de um cavalinho plástico (era um plástico duro e não como estes de hoje em dia) de cores bege e vermelha.

 

Depois de tomarmos a sopa, ganhamos o brinquedo. A casa de minha avó, Ignez, tinha dois cheiros marcantes: o da comida síria deliciosa, que ela fazia como ninguém e aquele cheiro estranho de gás, que eu ainda não conhecia, pois ainda tínhamos o fogão a lenha em São Lourenço. Eu gostava de olhar no binóculo de meu tio, Pedro, que costumava usá-los em suas idas ao jóquei. Ficava olhando para todos os prédios vizinhos. Era tudo uma grande novidade! Certa noite, fiquei observando uma mulher passando roupas, no prédio ao lado. Não queria largar o binóculo para ir tomar meu banho. Conheci as Lojas Americanas e adorei suas escadas rolantes, que nunca tinha visto e os grandes armazéns, tipo Casas Gaio Marti, que antecederam à era dos supermercados. Na Kopenhagen, todos aqueles chocolates e balas me causavam prazer, mesmo que  não conseguisse comer tudo o que pretendia.   Fui levado ao Jardim Zoológico. Quando me perguntavam os animais que  tinha visto, acostumado a trocar as letras p e f, ao meu referir ao pavão eu disse:

 

_Vi o favão.

 

Entre os animais citados, havia um que ninguém entendia o que era. No fim, descobriram que eu estava me referindo a um tio-avô em cuja casa  havíamos almoçado naquele dia, misturando-o entre os animais.

 

Nunca me esqueci e nem me esquecerei daquela minha primeira experiência consciente da Cidade Maravilhosa que aprendi a amar desde então e que amo profundamente até hoje.

 

Quando regressamos, sentimos todos uma saudade imensa. Principalmente mamãe, que ganhara aquele verdadeiro presente. Durante muitos anos ela cantou uma música que inventou para lembrar-se daquele ocasião.

 

E, até hoje, a cada 29 de maio quando acordo, vem-me sempre à memória, a música cantada por aquela mulher que tanto amei e que começava assim:

 

Foi  no dia 29 de maio, que nós fomos para o Rio...

 

Pelo que conheço de mim, sei que assim será até o derradeiro 29 de maio em que existir...

 

Obs.: se algum leitor tiver ideia de quem seja a Rosalina, por favor, comunique-se comigo. Quem sabe ainda reencontro mais essa babá, antes que as luzes se apaguem?

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