por Filipe Gannam
Enquanto o tempo passava e tentava achar a Carmem Lúcia, fui me lembrando do Joaquim, que como já disse diversas vezes, estava inserido naquela saudosa Quinta-Feira de Cinzas de 1966 no Diário de Notícias, entre os aprovados na Faculdade Nacional de Medicina. Veio mais bem classificado que eu.
Como me esquecer daquela figura doce, simples e tão desprendida de valores materiais como ele?
Claro, com estatura mediana e de nariz mais parecendo de um descendente de libaneses do que de portugueses, sempre se mostrou um grande amigo.
Desde o primeiro dia de aula nos sentamos juntos naquele grande banco que comportava cerca de dez alunos, na sala do ADN.
Na primeira conversa que tivemos, soube que era de Mesquita, então distrito de Nova Iguaçu. E enquanto não guardei seu nome, me referia a ele no diário, como O Rapaz de Mesquita.
Certa ocasião, pedi que me explicasse uns problemas de Física e fomos ficando cada dia mais amigos. Depois de uns meses de convívio, ele me disse:
– Você é a pessoa mais sui generis que conheci.
Outro fato interessante foi que um dia recomendou-me o Restaurante Giratório, na Praça Tiradentes. Ficava no último andar de um edifício e era literalmente uma roda. Enquanto fazíamos as refeições, íamos girando como num carrossel. Felizmente minha labirintite ainda não tinha o grau de hoje, caso contrário, eu dispensaria qualquer tipo de bebida, se quisesse ficar tonto.
Vibramos quando nos encontramos na FNM. Foi muito bom saber que pelo menos dois daquela foto continuariam juntos por mais seis anos.
Os anos da faculdade foram inesquecíveis. Continuei com minha mania de que a cada final deles deveríamos tirar retratos. Aí, já eram retratos com mais pessoas. Inclusive vários que eram daquela mesma sala do ADN, com os quais ainda não tinha amizade no tempo do cursinho. Minha turma tinha 180 alunos e a grande maioria deles se tornou amiga. Mas sempre havia um grupinho de cinco ou seis que eu liderava para também fazermos nosso almoço de despedida no Restaurante Parque Recreio, na Rua Marques de Abrantes. É claro que o querido Rapaz de Mesquita era sempre chamado e estava lá.
Num dos raros dias em que esteve em minha casa, esqueceu lá seu guarda-chuva e temeroso de que precisasse dele antes do dia que nos encontrássemos de novo, imediatamente tomei um ônibus e fui até a faculdade para entregá-lo. Quantas pessoas do mundo, ainda mais jovens, agiriam dessa maneira? Talvez estivesse aí a razão de ele ter me dado o predicado de sui generis.
Joaquim, que fez cardiologia e ainda mora na mesma cidade, no dia 2 de janeiro de 1972, 18 dias depois de nossa formatura, casou-se com Odette. Estão casados até hoje e têm vários filhos, inclusive uma que é médica em Governador Valadares.
Quanto à nossa turma, permanece unida. Cerca de 15 já morreram. A cada 5 anos fazemos nosso Encontro Comemorativo num dos hotéis de Angra dos Reis ou da região. No último, o dos 35 anos, que aconteceu no primeiro final de semana de dezembro passado, distribui de presente o meu livro que narra entre outras coisas aquele tempo. Foi mais uma promessa cumprida. O momento em que nos encontramos e os dois dias que passamos juntos (da última vez éramos cerca de 105!) são inesquecíveis. Mas a hora da partida dói. Quando fui me despedir dele, derramei lágrimas copiosas o que o emocionou. Então, ouvi-o dizer mais ou menos a mesma frase de 1965:
– O mundo deveria ser dividido assim: você de um lado e o resto do outro.
Felizmente ele esteve presente, entre outros colegas de faculdade, na comemoração dos meus 60 anos, assim como outros que eram do ADN e entraram também na FNM no mesmo ano. Todas as vezes que me encontro com o Rapaz de Mesquita, me emociono, pois foi o único dos onze da fotografia que nunca se distanciou e nem desapareceu de minha vida.
Naquele dia, à noite, parte de minha turma que aqui estava se reuniu, com as esposas, num bar do Calçadão e felizes e animados, programamos novos encontros que não fossem tão somente aqueles que acontecem de 5 em 5 anos. Então, um deles perguntou:
– Quem a não ser o Filipe seria capaz de realizar esse milagre, nós, aqui reunidos, menos de 3 meses depois de nosso último encontro?
Certamente a opinião deles combina com a do querido Rapaz de Mesquita quanto ao ser sui generis...
(Leitores, façam suas apostas...Como terminará o affair Carmem Lúcia? Lograrei encontrá-la e completar esta história de uma maneira feliz?).
(escrito em 2013, já tivemos dois encontros comemorando os 40 anos de formatura, um em Angra e outro em São Lourenço, patrocinado por mim e quando plantamos mudas de pau-brasil no Parque. Em quase todas as festas que tenho feito, tenho a alegria de ver O Rapaz de Mesquita. Falo com ele ao telefone muitas vezes e me emociono, chegou a ficar com lágrimas nos olhos e ele sentido aquilo repete: você continua sendo único, inigualável, sui generis)
(continua)