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Opinião
29/03/2011 09h46

Vicente, uma ficção real Vicente, uma ficção real

Vicente, uma ficção real

Vicente, uma ficção real

 

Miguel, como já tive a oportunidade de descrevê-lo, foi um saudoso chefe de trens da RMV (Rede Mineira de Viação) que por longos anos operou no ramal férreo sul-mineiro de Cruzeiro (SP) á São Gonçalo do Sapucaí (MG). Entre as “enes” histórias narradas, onde os personagens envolvidos marcaram passagens – as quais dentro do contexto ferroviário merecem citações, às vezes humorosas, às vezes dramáticas – recordo-me de um personagem: Vicente, que teve ao lado de Miguel um convívio bem ativo, pois era o homem que mantinha os interioranos bem informados e, portanto, o responsável direto a trazer as notícias e informações através dos jornais da capital, já que, como jornaleiro, tinha a incumbência na entrega desses periódicos às cidades. Vicente, também carinhosamente conhecido como “carcamano”, por ter origem italiana, era uma pessoa extremamente simpática e alegre, não poupando ajuda a quem fosse, estando sempre solícito a atender a todos. Seu trabalho consistia em receber os jornais e revistas provenientes da capital trazidos pelo trem Vera Cruz, onde em Cruzeiro eram separados em amarrados à distribuição as cidades. Além desta tarefa, tinha os leitores que às estações o aguardavam, ou mesmo os exemplares lançados do trem às fazendas margeantes a via férrea ao longo do percurso.

Esta labuta diária fazia com que Vicente cada vez mais se tornasse popular junto às estações e seus munícipes. Fizesse chuva ou sol, lá estava executando sua tarefa em fazer chegar notícias, no que pesem muitas cidades com um dia de atraso, fato evidentemente na época aceitável. Afinal, o trem sul-mineiro partia de Cruzeiro às 14h e chegava em São Gonçalo por volta das 20h – quando não havia contratempo em atrasá-lo. Pernoitando em São Gonçalo, retornava a Cruzeiro pelo expresso das 04h30.

Um dia Miguel surpreendeu-se com a ausência do carcamano na madrugada. O que o deixou preocupado. Mas, mesmo assim, recebeu dos compradores dos jornais as importâncias referentes às vendas efetuadas no dia anterior. Só que aquele desaparecimento, alongando-se por vários dias, além de preocupante, transformou-se em mistério e tristeza, já que não haviam informações sobre o paradeiro do amigo e sua morte era dada como certa. Os jornais e revistas acumulavam-se à estação, a ponto da Rede solicitar da distribuidora, na capital, suspender as remessas.

Com quase um mês, assustando a todos na estação, com o auxilio de muletas, desembarcou do Vera Cruz, Vicente. Ainda bem debilitado, mais magro do que era, é abraçado e saudado por todos e  narra o que aconteceu. Fora vítima de grave acidente rodoviário entre Rio - São Paulo e, dado ao seu estado crítico, foi levado para o hospital em Resende (RJ), onde socorrido, foi transferido à capital, pois seu caso necessitava de atendimento urgente em hospital provido de recursos mais abrangentes. Com a perda dos documentos e os parentes no Rio de Janeiro, acostumados a não terem notícias com freqüência, e ter permanecido em coma, acabou sendo cuidado no nosocômio como um indigente incógnito cidadão. Posteriormente, saindo do coma, aos poucos recuperou-se da amnésia parcial e pôde, com esforço, identificar-se e voltar à vida.

Mesmo com dificuldades, voltava às atividades recebendo carinho e apoio dos amigos e companheiros da ferrovia e, obviamente, de Miguel, que colocou um de seus condutores a suprir, até a suspensão da remessa dos jornais pelo distribuidor, levando à diante a tarefa do bem informar o povo interiorano com as notícias, os acontecimentos importantes da atualidade através dos periódicos do dia-a-dia, que tão bem vinha sendo por anos a fio levado por aquele abnegado carcamano, chamado e eternizado Vicente.

Este episódio veio mostrar o quanto o trem e seus funcionários e aliados “desbravadores” ajudaram a expandir o progresso do Brasil quando as comunicações ainda engatinhavam, tendo nos jornais e revistas os principais veículos de comunicação, notadamente a nós, os “caipiras”, chamados de interioranos! Afinal, o telefone era por manivela a chamar pela telefonista e aguardar; rádio dependia de locais para receber as ondas; TV, só se fossem as janelas dos trens; e internet, só nas histórias em quadrinhos de Flash Gordon, lendário interestrelar e heróico personagem de ficção.

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