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15/03/2012 11h00

Coluna - Na Fumaça do Trem Um anjo dos olhos azuis

Um anjo dos olhos azuis

Aquela manhã como sempre que vou ao Rio de Janeiro, lá estava eu à sala de leitura da Biblioteca Nacional usufruindo das delícias literárias que tanto bem nos proporcionam absorto naquele agradável recanto.

 

Após dirimir algumas dúvidas concernentes aos ramais ferroviários da região sudeste, ao me encaminhar ao balcão no intuito de devolver os livros por mim utilizados, uma das senhoras que ali se encontravam, dirigindo-se ao meu atendimento, indaga-me se por acaso tinha parentesco com Luiz Ayres.

 

Surpreso, olhando-a respondi que de fato meu pai tem este nome pelo qual era conhecido, já que na verdade seu nome completo é composto ainda por três sobrenomes. A senhora um tanto estarrecida e perplexa, dizia que eu sou a cópia fiel de Luiz e só poderia ser a pessoa a que se referia. Impossível não ser tal a semelhança!

 

Sorrindo, perguntei de onde o conheceu. Afinal se me fornecesse dicas consistentes, poderia ajudá-la na sua dúvida, no que pese minha semelhança física e fisionômica, reconheço, pois tais atributos são condizentes a assemelhar-me com meu pai.

 

Solicitando-me a acompanhá-la, nos dirigimos a ante-sala, já que o salão de leitura se exige silêncio e D. Elvira como se identificou, pôs-se a conversar revelando como conheceu Luiz Ayres.

 

“Por volta do final da década de 30, com apenas 9 anos de idade, perambulava desesperada pela plataforma da estação férrea de Itajubá sem saber que rumo tomar, sob um choro compulsivo, quando um moço alto e bonito, agachando-se a minha frente me perguntou o meu nome e porque chorava.

 

Espantando-me, um tanto receosa e de forma arredia, recuei-me sem nada dizer a esfregar os olhos. O moço sentindo minha tensão e lógico a preocupação, insistiu a indagar-me pelo meu nome e se por acaso estava perdida. Fixando-me ao seu olhar bondoso, senti certa confiança e apoio e em prantos copiosamente o contei meu drama.

 

Abraçando-o, desandei a chorar ao seu peito a lhe pedir que me levasse para casa à cidade Borda da Mata, pois meus pais já estariam desesperados na minha procura.

 

Sendo conduzida por Luiz, após um lanche, onde fustigada pela fome fui alimentada, retornamos à estação em que foi solicitada a expedição, via telégrafo, à minha cidade Borda da Mata, a saber, de algum desaparecimento de uma menina, cujos dados pessoais obtidos seguiam visando um melhor reconhecimento. O tempo passou e a resposta infelizmente veio negativa; pelo menos junto à estação até aquele momento.

 

Com o entardecer, Luiz tentando-me tranquilizar a dizer que meus pais foram avisados, rumou a um hotel e providenciou nosso pernoite, revelando que pela manhã embarcaríamos bem cedo a caminho de casa, já que hoje não haveria mais trem. Bem cedinho, embarcados, lá fomos nós para casa. Depois de algumas horas, enfim chegamos como revelou Luiz. Ao pisar à plataforma, logo reconheci a cidade e a alegria me tomou por inteira.

 

Não me contive e pedi ao bondoso moço que se curvasse e o beijei no seu rosto muitas vezes. Luiz então, me pediu que o informasse onde e como chegaríamos a sua casa. Acanhada, pedi desculpas, pois teríamos boa caminhada a fazer. Finalmente chegamos, e fui recebida efusivamente por Vovó Tina e meu irmão, que logo conduziu Luiz até ao destacamento policial onde meus pais se encontravam.

 

Ciente do desfecho feliz, após a narrativa de Luiz, acompanhado de meus pais, o moço de olhos azuis foi recepcionado com abraços cercado de toda distinção,  pompas e reverenciado pelo gesto humanitário praticado.

 

A partir de então, sempre que vinha correr a praça de Borda da Mata, nos visitava. Enquanto foi caixeiro viajante nunca deixou de nos visitar. Nossa gratidão eternizou-se entre nos.

 

Eu mais ainda, não só pelo que ocorreu comigo, como graças a sua bondade e presteza, consegui através de sua dedicação me acompanhando ao Rio de Janeiro, e como professora ingressar por concurso público no Ministério da Educação, onde há 40 anos sirvo e há 5 anos que aqui na Biblioteca Nacional como bibliotecária, presto meus serviços.”

 

Falando do passamento de papai ocorrido há 10 anos, consternada, mostrando-se triste, se lamentando proferiu: - Seu José, me perdoe o atrevimento em abraçá-lo, pois é como estivesse abraçando o grande e saudoso amigo, Luiz Ayres, o qual devo tudo que sou na minha vida!

 

Moral da história: Uma amizade eterna surgida, motivada por uma desatenção quando por esquecimento de uma refeição de um pai, a filha no afã de encontrá-lo à plataforma da estação para lhe entregar a marmita, entrou no trem errado e se viu desesperada com a partida do comboio.

 

Perdida, só lhe restou perambular pela estação de Itajubá, onde desceu, e teve amparo daquele anjo de olhos azuis chamado Luiz Ayres. Meu saudoso pai!

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