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São Lourenço
15/09/2011 00h00

Opinião Na Fumaça do Trem - A tuba de Ezequias

Na Fumaça do Trem - A tuba de Ezequias

Entre as inúmeras histórias contadas pelo saudoso chefe de trens Miguel, onde situações as mais inusitadas se fizeram presentes durante seu ciclo profissional no cotidiano, uma, entretanto, virou histórica, passando a ser sempre revivida por Miguel nas suas narrativas.


Contava que, procedente de Campo Belo, MG, uma famosa banda musical excursionava pelo sul de Minas a oferecer apresentações aos finais de semana em coretos; comuns na época às praças interioranas, clubes recreativos, salas de cinemas e outros tantos locais, no intuito de expor e mostrar seus naipes de músicos, cujo comando era sob a batuta de maestro Raul Pena, renomado artista oriundo da orquestra do maestro Scarambone, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Utilizando-se dos trens, tinha suas apresentações calcadas num roteiro pré-estabelecido, baseado nos horários das composições e baldeações a outros ramais férreos dentro de um esquema elaborado de acordo com as prefeituras locais. Afinal, os músicos, como amadores, tinham em Campo Belo suas ocupações profissionais e não dispunham de facilidades a ausentarem-se dos seus trabalhos. Assim sendo, cada músico, além da tarefa musical, era também o responsável por seu instrumento, embora a ferrovia cedesse à banda um vagão a atendê-los, permanecendo à disposição do grupo, na espera da partida a outra localidade a ser agraciada após a fanfarra se exibir.


Numa ocasião, a banda chegou ao anoitecer à cidade de Campanha – MG, onde teve o pernoite, pois se apresentaria pela manhã em cerimônia festiva pelas bodas de ouro do casal Silvio e Altina Belato. O grupo, composto de 18 músicos, reuniu-se no local bem antes da apresentação quando, espavorido e ofegante,  Ezequias, o bombardino, se chega dizendo que seus instrumentos, o bombardino e a tuba, não estavam no vagão junto aos demais, ou seja: foram deixados em Soledade,  esquecidos de ser baldeados pelos carregadores e arrumadores  da estação.  Criou-se o impasse: como suprir a falta da tuba? Pelo telégrafo, foi constatado que houve desatenção dos empregados no embarque das peças, deixando-as no depósito. Felizmente, como havia tempo hábil, por sugestão do coordenador do evento, uma tuba foi apresentada a Ezequias. Só que sem uso há vários anos e guardada nos depósitos dos porões da prefeitura, seu estado de conservação era bem precário.  Trazido o instrumento, depois de “limpo” pelos funcionários da rede, que se prontificaram a ajudar junto a Ezequias, constatou-se que o mesmo, de fato, estava bem ruinzinho; cheio de massas, amassamentos vários na possibilidade de interferir na sonoridade, com o cromado descascado e bem oxidado. Mas, enfim, seja o que Deus quiser; no que se conformou o abnegado tocador.


Todos a postos em seus lugares a testarem as afinações dos instrumentos com seus acordes sendo repassados em baixa sonoridade, as estantes com as partituras prontas a abrir a fanfarra, Ezequias, mostrando-se um tanto amuado, amargurado e talvez envergonhado pelo aspecto crítico da tuba que lhe haviam destinado, fato incomum, afinal seus instrumentos sempre chamavam a atenção por serem luzentes, polidos e bem cuidados, apoiando-se à coxa, acerta o posicionamento da embocadura, concentrando-se ao maestro Raul Pena, cuja batuta acionada inicia o concerto.


Tudo ia dentro dos conformes quando, chamada a entrar em harmonia a tuba, Ezequias, empolgado, querendo suprir a precariedade visual do instrumento, levou aos lábios a embocadura com vontade e algo de estranho ocorreu com o som a propagar-se como uma enorme “flatulência”, evidentemente destoante do conjunto na obra executada, chegando a provocar risos à plateia.  Dando mais ênfase e força no sopro, de repente é expulso do interior da tuba dois objetos que, lançados ao ar, projetam-se: um sobre o quarteto de violinos à frente e o outro tocando no maestro, cai sobre a plateia. No que a confusão é formada ao ver que se tratavam de filhotes de cobras causando enorme balbúrdia. Com a paralização abrupta do concerto, em que os músicos se atropelavam tentando deixar o local e com as pessoas apavoradas a correrem, o evento foi interrompido, com Ezequias lançando longe a “caída” tuba (covil de cobras). Pelo que se soube, as serpentes assustadas desapareceram, assim como o público disperso não mais retornou ao local e o perplexo maestro Raul Pena, cuja batuta também sumiu, deu o espetáculo como suspenso com a retreta de Campo Belo, lamentando pelo descaso e negligência da ferrovia pela ausência da tuba de Ezequias.


Claro que para os companheiros e a banda de Campo Belo, a culpa deveu-se exclusivamente à  RMV (Rede Mineira de Viação), esquecendo-se que a ferrovia não teve culpa pelos maus serviços praticados por negligentes funcionários. Mas, como tinha as costas largas, pagou o pato, a manter o título de Ruim, Mas Vai. Pobre ferrovia!


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