27/05/2015 09h10
Dado Villa-Lobos lança livro em que refaz a própria história
Era 11 de outubro de 1996. Madrugada. O telefone toca na casa do músico Dado Villa-Lobos. Do outro lado da linha, avisam sobre a morte de Renato Russo. Com o empresário da banda, ele foi para a casa do amigo, em Ipanema, no Rio, onde encontrou o pai dele, seu Renato, quieto e resignado. Durante o café da manhã, numa confeitaria tradicional do bairro, Dado ouviu do tio do vocalista histórias, como quando Renato, ainda criança, lhe pediu o primeiro disco de Elton John, de 1970, e o tio, por engano, lhe comprou um LP de Tom Jones. Ao fato, o garoto reagira com um sonoro 'nãooo!'. Desse dia, Dado lembra também do assédio da imprensa e da tristeza profunda dos fãs, que se manifestaram entre choros copiosos e coros com as canções do grupo. "O Renato havia partido, e a banda de rock mais popular do PaÃs automaticamente se desfazia."
Assim tem inÃcio o livro Dado Villa-Lobos - Memórias de Um Legionário, escrito por Dado, guitarrista da Legião Urbana, com os historiadores Felipe Demier e Romulo Mattos e que será lançado nesta quarta, 27, na Livraria Cultura, na Avenida Paulista. Mais do que uma biografia, é um livro de memórias, ressalta o músico. E por que iniciar a obra com aquele fatÃdico dia? Segundo Dado, começar dessa forma, com um momento especÃfico, foi opção já observada em outras publicações do gênero, como Life, de Keith Richards.
"A gente tinha terminado o livro e pensei em chamar o Hermano Vianna para escrever o prefácio. Só que, quando fui ver as biografias que leio, não têm prefácio, têm simplesmente uma apresentação, e o Hermano falou: 'Cara, você devia colocar algo que prendesse mais o leitor ao livro', e não começar 'nasci em 29 de junho de 1965'", justifica ele.
É a primeira vez que a história da Legião Urbana é reconstituÃda em um livro sob a ótica de quem estava lá dentro. Por tabela, Dado tenta esclarecer questões que, ao longo dos anos, ganharam diferentes versões ou mesmo permaneceram nebulosas. Como o caso da saÃda de Negrete da banda. Dado reforça, no livro, que o baixista - que morreu no inÃcio deste ano e vivia como morador de rua nos últimos tempos - comprou um sÃtio em Mendes, no sul fluminense, e, por causa da distância com o Rio, começou a comparecer muito raramente à s gravações do álbum As Quatro Estações. Quando ele aparecia, a banda tentava conversar com ele, mas em vão.
Essa situação perdurou até o inÃcio de 1989, quando, ainda de acordo com Dado, Renato falou para ele: "Acabou pra você. Você está fora da banda". Essa versão derruba outras, como a de que Negrete tenha saÃda do grupo porque tocava mal ou de que pediu para sair. "Ele estava completamente desconectado, fazÃamos várias sessões de terapia quando ele aparecia. A gente precisava muito dele, e ele acabou não comparecendo", explica Dado. "Perdemos o contato com ele, ficamos sem vê-lo por dez anos. Ele teve problemas com drogas, é muito triste. Tentei ajudar, mas já era tarde. Era um cara divertido, bacana de estar junto, eu adorava aquele cara."
Esse mergulho do músico nas próprias memórias trouxe à tona boas recordações e redescobertas, mas também reativou melancólicas sensações. "Em geral, esses momentos difÃceis eram sempre quando a gente estava tocando, viajando para algum lugar, e o Renato tinha ataques de alcoolismo", diz. O ápice talvez tenha sido a turnê do disco V. Renato havia gravado o álbum totalmente limpo, "sem beber e a fim de trabalhar". Naquele ano de 1991, em especial, Dado e Renato estavam muito próximos. Mas a excursão do álbum, iniciada em julho de 1992, foi marcada pela recaÃda do vocalista no álcool.
De acordo com relato de Dado no livro, na etapa nordestina do tour, Renato atravessava noites em meio a bebedeiras homéricas, só dormia de manhã e acordava, forçado, sem condições para fazer os shows. Aquela figura sociável, de uma "aura dominante", que puxava cada um deles para dentro do grupo, se transformava. "O Renato tinha voltado a ser aquele cara insuportável, egoÃsta, manipulador e sistematicamente alcoolizado. Não havia nenhuma sintonia entre nós naquele perÃodo, pois ele havia entrado em uma onda etÃlica como eu nunca tinha visto, a ponto de ficar horas e horas com um copo grande (daqueles nos quais se bebe suco de laranja) de Cointreau na mão", escreve Dado.
Delinquente
Com esse olhar bem realista e cru da rotina da banda, mas também muito afetiva, Dado detalha histórias da banda, na estrada e em estúdio, e pincela lances da própria vida, que, claro, se mistura à trajetória da Legião. Ele segue a linha cronológica: seu nascimento em Bruxelas, na Bélgica; a infância passada no exterior, por causa do pai diplomata - com menção à breve fase delinquente com o irmão na temporada em Paris; a adolescência em BrasÃlia, perÃodo importante na sua formação; a entrada na Legião Urbana, cujo núcleo central também contou com o baterista Marcelo Bonfá; os discos gravados; as alegrias; os perrengues; a morte de Renato Russo.
"O livro traz o ponto de vista interno de quem eram aqueles caras, qual era o papel de cada um, o que cada um fazia e como fazia", avalia ele, prestes a fazer 50 anos. "Quando a gente se juntava, algo mágico acontecia de alguma forma. Aquilo era realmente uma banda de rock fazendo seu melhor para consigo e para o público, de uma forma totalmente simples e intuitiva."
Sobre a recente vitória na justiça que garantiu a ele e a Bonfá o uso do nome Legião Urbana em projetos - como o que fizeram com Wagner Moura, em 2012 - e, portanto, sem que sejam impedidos pelo herdeiro de Renato, o filho Giuliano Manfredini, sob pena de multa, Dado acredita ser esta "uma conquista ética e moral dentro da situação toda". A marca continua com o herdeiro. "Acho que o simples fato de eu e o Bonfá podermos montar um espetáculo para celebrar essa obra, e a gente não ter encheção de saco, está tudo certo." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo