29/06/2015 12h10
Húngaro Iván Fischer rege no Brasil e fala sobre o futuro das orquestras
No inÃcio dos anos 1980, dois artistas chegaram a uma conclusão: era preciso encontrar novas formas de pensar uma orquestra sinfônica. O pianista Zoltan Kocsis iniciava uma carreira como solista internacional. O maestro Iván Fischer, por sua vez, se percebia, como disse em uma entrevista, pulando de cidade em cidade, despedindo-se de orquestras "no momento em que uma afinidade musical começava de fato a surgir". Dessa sensação, nasceu a Orquestra do Festival de Budapeste. O grupo, em 2009, entrou para uma lista internacional das dez melhores sinfônicas do mundo e tornou-se sÃmbolo da necessidade de, no mundo atual, repensar a atividade sinfônica, fora de sua zona de conforto. E desembarca agora no Brasil, onde faz dois concertos, nesta segunda-feira, 29, e terça, 30, na Sala São Paulo.
As apresentações, parte da temporada da Cultura ArtÃstica, têm um repertório denso e variado. Nesta segunda, eles interpretam os Esboços Húngaros, de Bartók; as Quatro Últimas Canções, de Strauss; e a Sinfonia nº 4, de Mahler - nas duas últimas peças, participa a soprano Miah Persson. Na terça-feira, outro universo sonoro. De Prokofiev, a Abertura Sobre Temas Hebraicos e o Concerto para piano e orquestra nº 1; a Pavane e o Concerto em Sol Maior, de Ravel; e, para terminar, a Sinfonia nº 4, de Brahms. O solista será o pianista russo Alexander Toradze.
"Bartók, Strauss e Mahler foram contemporâneos, mas possuÃam personalidades extremamente diferentes", diz Iván Fischer sobre o programa da primeira apresentação, em entrevista por e-mail para o repórter. "É excitante poder ouvi-los juntos em um concerto. Até porque, ainda que Bartók e Mahler tenham composto em estilos distintos, ambos possuÃam uma conexão profunda com o folclore de seus paÃses", completa. O diálogo, feito de contrastes, entre compositores também aparece no programa de amanhã. "Prokofiev e Ravel possuem muito em comum, em especial um sentido elevado para coloridos, a natureza poética e o senso de humor. Brahms, por sua vez, nos leva a outro mundo, de volta à grande música germânica do romantismo."
Criada em 1983, a Orquestra do Festival de Budapeste tem sido formada, nas palavras de Fischer, por músicos "dispostos a ser criativos, a ouvir tão bem quanto tocam". Seus concertos podem assumir formatos dos mais variados, além da fórmula tradicional das apresentações em salas sinfônicas. No ano passado, por exemplo, o crÃtico Alex Ross descreveu com detalhes na revista New Yorker a experiência de assistir a uma apresentação durante a madrugada, sentado entre os violoncelos. O palco: um espaço alternativo à s margens do Rio Danúbio.
Os músicos - e essa é uma crÃtica normalmente feita à orquestra - não têm estabilidade. Em troca, têm liberdade e voz ativa no cotidiano de trabalho, são responsáveis pelos concertos da série dedicada à s crianças e formam conjuntos paralelos, como um dedicado à exploração do repertório barroco. "Fico extremamente impressionado com o sucesso que a orquestra obteve nos últimos 30 anos. E fico particularmente feliz com a atitude que todos nela tem, o desejo de compartilhar a beleza da música com as plateias. Uma das qualidades do grupo é justamente o alto grau de comunicação que estabelece com o público", diz Fischer.
A orquestra pode ter nascido de um desejo pessoal de Kocsis e Fischer - mas seu trabalho é claramente uma tomada de posição com relação ao establishment musical. Orquestras, disse Fischer à New Yorker, "tornaram-se grandes demais". "O problema real é que muitas vezes deixaram de ser organizações onde o fazer musical de verdade acontece. Elas existem, ao contrário, para satisfazer a necessidade de segurança trabalhista dos músicos, o desejo profissional de maestros e solistas e uma pequena margem da sociedade." Ainda segundo Fischer, orquestras que pensam dessa forma vão desaparecer "em vinte ou trinta anos".
O discurso pode soar apocalÃptico - mas só até certo ponto. Afinal, o que Fischer parece sugerir é que a necessidade de debate sobre novos caminhos para a música sinfônica não é sinônimo de fragilidade ou falta de importância - o diálogo, sem posições preconcebidas, seria prova justamente da importância que a arte musical pode ter no mundo atual. E a excelência técnica atingida pelo grupo, a constante releitura do grande repertório e a conquista de uma plateia diversificada são provas de que buscar novos formatos não é sinônimo de perda de qualidade. "A música significa muito para muita gente e as orquestras têm uma responsabilidade perante a sociedade. Acredito que elas precisam mudar, não podem ser museus. E isso se dá buscando um contato cada vez maior com o mundo lá fora."
ORQUESTRA DO FESTIVAL DE BUDAPESTE
Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, Luz, 3367-9500. Hoje e amanhã, 21 h. R$ 50/R$ 430.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo