21/02/2021 14h20
Morre o editor Gumercindo Rocha Dorea, que lançou Rubem Fonseca e Nélida Piñon
Primeiro editor de escritores que se tornaram célebres, como Rubem Fonseca e Nélida Piñon, além de ter sido um dos pioneiros na divulgação da literatura de ficção cientÃfica no Brasil, Gumercindo Rocha Dorea morreu neste domingo, 21, aos 96 anos, em decorrência de complicações do tratamento de um câncer. O velório acontece hoje, entre 12h30 e 14h30, no Memorial Parque Paulista, onde o corpo será sepultado em seguida.
Nascido em Ilhéus, na Bahia, em 1924, mudou-se com a famÃlia dez anos depois para Salvador, onde foi aluno do filólogo Herbert Parentes Fortes, um dos principais intelectuais e lÃderes da Ação Integralista Brasileira (AIB). Aos 20 anos, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, formando-se em Direito. Lá, escreveu para o jornal A Marcha, ligado ao Partido de Representação Popular, e entrou em contato com o mentor do integralismo, PlÃnio Salgado (1895-1975), que sedimentaria suas convicções polÃticas conservadoras.
Atuou como jornalista em diversos órgãos de imprensa, como o jornal Folha Carioca. Em 1956, fundou as Edições GRD, que traziam suas iniciais, com a publicação de Filosofia da Linguagem, de Herbert Parentes Fortes. Sua ousadia, visão e compromisso altruÃsta com a promoção da cultura brasileira fizeram com que ele lançasse os primeiros livros de autores que, então desconhecidos, logo se firmariam como grandes nomes da literatura brasileira, como Rubem Fonseca, Nélida Piñon e o poeta Gerardo Melo Mourão, entre outros, que logo se tornaram conhecidos como membros da Geração GRD.
O lançamento de Os Prisioneiros, em 1963, de Fonseca, aliás, rendeu uma boa história, pois ele trabalhava como diretor na Light, empresa de geração e distribuição de energia elétrica. Uma de suas secretárias, Fernanda, à revelia do chefe, entregou a Gumercindo alguns contos que Fonseca guardava na gaveta. Impressionado com a qualidade, o editor imprimiu algumas provas do livro e as levou para Fonseca.
"Olha, um anjo misterioso me deu os originais de seu livro", disse Gumercindo, o que irritou Fonseca, a ponto de soltar um monte de impropérios. Uma semana depois, mais calmo, concordou com a edição do livro, mas exigiu que a capa fosse feita pelo filho Zeca, de 6 anos. Depois de Os Prisioneiros, seguiu-se A Coleira do Cão, cujo sucesso foi tamanho e motivou Fonseca a se transferir para uma editora maior.
No campo literário, Gumercindo entrou em contato com a ficção cientÃfica pela primeira vez por meio do Suplemento Juvenil, que circulou no PaÃs entre 1934 e 1945, e pelo qual descobriu personagens clássicos dos quadrinhos, como Flash Gordon, Buck Rogers e Brick Bradford.
Motivado pela leitura, o ainda jovem Gumercindo teve uma espécie de revelação quando, aos 20 anos, ia montado em um burro de Salvador para a usina de açúcar de seu pai, no Recôncavo Baiano. "Levantei a cabeça, tomei um bruto susto, a impressão que me deu foi que aquilo ia despencar repentinamente. Era o céu salpicado de estrelas, de uma beleza, nunca me saiu da memória", contou ele em entrevista ao Aliás, em 2017. A experiência o fez abrir caminho para a ficção cientÃfica no Brasil.
Ele foi primeiro a criar uma coleção dedicada a publicar sistematicamente as obras do gênero de 1958 em diante, quando lançou Além do Planeta Silencioso, de C.S. Lewis. Foi o ponto de partida para que sua editora revelasse ao PaÃs autores do nicho como Ray Bradbury, H.P. Lovecraft, Dinah Silveira de Queiroz (que lançou, em 1960, os contos de Eles Herdarão a Terra) e Robert Heinlein.
Em 1961, publicou a primeira Antologia Brasileira de Ficção CientÃfica, com trabalhos de Diná, além de Antônio Olinto, Rachel de Queiroz e Fausto Cunha, dentre outros. Sua importância para a divulgação do gênero no Brasil é reconhecida em um verbete da SFE (Science Fiction Encyclopedia), de Londres, que o considera "o mais importante na história da ficção cientÃfica brasileira", tendo sido "em larga medida responsável pela Primeira Onda da Ficção CientÃfica Brasileira (1958-1972)" que, sem ele, "poderia talvez nem ter ocorrido".
Com o golpe militar de 1964, Gumercindo mudou o foco de suas publicações de ficção cientÃfica, concentrando-se na tradução de publicações europeias. Entre os autores nacionais, o olhar era para os crÃticos do regime, com destaque para Não Verás PaÃs Nenhum (1981), de Ignácio de Loyola Brandão.
Em 1972, já vivendo em São Paulo, Gumercindo trabalhou na ConvÃvio - Sociedade Brasileira de Cultura por cerca de cinco anos. Nesse perÃodo, coordenou a edição da revista Convivium e a coleção Biblioteca do Pensamento Brasileiro, ambas publicadas pela Editora ConvÃvio.
Em 2002, publicou o livro Ora, DireisÂ… Ouvir "Orelhas" Que Falam de Livros, Homens e Ideias, reunião das "orelhas" das obras publicadas e escritas pelo autor, que declara, na própria orelha desse livro, que as escreveu com pleno conhecimento do significado e sua possÃvel projeção. "Se repercutiram, bem ou mal, quis ter a sensação de que estava fazendo o que me competia, investido que me achava num papel fundamental para a evolução de meu PaÃs", anotou.
Fonte: Estadão Conteúdo